
PAISAGEM AMAZÔNICA
(AUTOR:WALTER SIQUEIRA – ESCRITOR CAMPISTA)
Desponta o sol. No denso verde do seringal,
Da festiva manhã da pompa tropical,
O uirapuru, feliz abrindo o bico de ouro,
Desata a voz e solta esplêndida canção,
Que da Amazônia acorda o grande coração,
Onde se encerra antigo e rútilo tesouro.
O seringueiro audaz, cantarolando, sai
Do rústico casebre e pelas brenhas vai,
Seduzido talvez por sonhos de grandeza,
Arrostando, a sorrir, cheio de amor e fé,
Os perigos fatais do imenso igarapé,
Os mistérios sem fim da bruta Natureza.
Nas águas abismais do Amazonas se vê,
Ostentando a matiz das corolas, com que
Encanta o peregrino e o bandeirante ousado,
Da áurea vitória-régia o raro resplendor,
Que exubera luz e sublima na cor,
Que palpita no som e excede no bordado.
À corte dos guarás, entrecruzando os céus,
Na volúpia do vôo, atinge quase os véus
Das nuvens de algodão dos trópicos brasíleos;
E como que atraída ao Império de Deus,
Alça mais alto e sobe em poéticos idílios.
Murumurus além, sacodem, sob o sol,
Que matiza de luz as bordas do arrebol,
A copa senhorial, de beleza radiosa,
E os guaranás, da flora – espécimes reais,
Falham ao soprar das brisas matinais,
Como saudando o sol que os bosques apoteosa.
Pelos igarapés, que borbulham ao luar,
Quando as canoas vão singrando devagar,
As calmas águas, há silêncio, há meio e sombra;
Apenas um voraz pirarucu,
de vez em quando surge e quebra a doce placidez
Daquela, de água, quieta e singular alfombra.
Manhã de abril. Manhã de esperança e de luz,
em que o sendal do céu brusca fulge e seduz
E a clorofila a mata amoranhada esmalta.
E seringueiro, em sua intensa faina já,
Da ínvia floresta mil troncos sangrou.
E lá Repousa agora, em paz, sob a folhagem alta...
Parece haver em tudo os anseios de Pã;
E a resina que escorre é a lágrima louçã
Que a árvore ferida, amargurada, chora,
Insensível ao sangue atroz que verte, ali,
Do tronco a cicatriz, abismando-se em si,
O seringueiro dorme e, em sonhos, se alcandora.
Serpentes a enroscar-se em vírides cipós,
Ameaçou, tremendamente, a paz dos igapós;
Pernilongos a voar por entre as glaucas folhas,
Em chusmas, vão dourar as asas no fulgar
Do sol conicular. E sente-se um rumor,
Abafado, um rumor abafado de bolhas...
É o rápido jaú, é o coruchim, que à flor
Das águas espadana, abrindo-a com pudor,
A barbatana régia, e a cauda deslumbrante.
Paisagem da Amazônia! Os tristes magurais,
As matas tropicais, os velhos muricis,
O céu cinzento, o sol esplêndido e brilhante!
O Amazonas esboça, a escabujar, veloz,
Coleios infernais, e alvíssimos lençóis
De espuma, aos tarvelins, distende pela praia,
Levando de roldão para o abismo do mar,
Tudo que à frente encontra, em seu peregrinar,
Através dos aluviões por que, a correr, se espraia!
Poesia publicada no Jornal do Comércio, 18/01/1976.