segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

SOFFIATI EXPLICA CICLO HÍDRICO DA BAIXADA CAMPISTA NA FOLHA DA MANHÃ

Da coluna "Complexus" da Folha da Manhã.
Assim no céu como na terra
Quem se lembra da telenovela "Assim na terra como no céu", exibida na TV Globo entre julho de 1970 e março de 1971, escrita por Dias Gomes e dirigida por Walter Campos? As pessoas que se recordam dela são tão poucas quanto aquelas informadas sobre o que se passa no céu e na terra com as copiosas chuvas que se abateram sobre o Estado de Santa Catarina, o norte do Estado do Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Será que estou entre essas pessoas? Mesmo nesta dúvida, farei comentários sobre os casos de Santa Catarina e de Campos (RJ), começando por este, que está mais próximo de mim. Campos dos Goitacazes é o maior município do Estado e conta com uma grande variedade de ambientes, basicamente o planalto cristalino da Serra do Mar (conhecido como Imbé, na região), onde, outrora, vicejava pujante a Mata Atlântica, o tabuleiro e a planície fluviomarinha, com incontáveis lagoas, que foram, em sua maior parte, drenadas para abrir espaço à agropecuária e à agroindústria. Embora, teoricamente, protegida pelo Parque Estadual do Desengano, a fatia mais representativa da Mata Atlântica, no trecho mais íngreme da Serra do Mar foi quase suprimida por impiedoso desmatamento na sua vertente atlântica. Os rios que descem dela por esta vertente, sobretudo os rios do Norte, Mocotó e Opinião, passaram a carregar terra erodida para o grande rio Imbé, que coleta todos eles e conduz suas águas para a Lagoa de Cima. Cada vez mais desmatado e assoreado, o vale do Imbé foi se tornando raso. Grande parte dos sedimentos acumulados por ele foram transportados para a Lagoa de Cima, que também recebe as águas do pequeno rio Urubu. As várzeas dessa sub-bacia hídrica foram progressivamente drenadas e ocupadas pela agropecuária, privando o excedente de água de reservatórios. As águas da lagoa escoam pelo rio Ururaí até a grande lagoa Feia. Na metade inferior, o Ururaí foi retilinizado pelo extinto Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) para acelerar a velocidade das águas em direção à lagoa Feia. O resultado foi o assoreamento acentuado desse trecho do rio. Suas várzeas foram isoladas dele, nesse estirão, por diques que visavam defender a lavoura e o gado dos alagamentos no leito maior do rio. Em vários trechos do rio, existem pontos de estrangulamento e barragens. Na área urbana de Ururaí, fica o principal estreitamento, constituído pela construção de casas dentro do leito de cheia do rio. A rodovia BR-101 e a Estrada dos Ceramistas são as principais barragens. A segunda foi construída sobre base muito baixa, cortando uma área de lagoas e banhados, sem que houvesse o cuidado de se instalar bueiros devidamente dimensionados para a circulação da água sob ela. Ao entrarem na Lagoa Feia, as águas do rio Ururaí são bloqueadas pela água quase parada da lagoa, criando um ponto de assoreamento. Para manter a foz do rio desbloqueada, o DNOS projetou um canal submerso no leito da lagoa, que reuniria, num ponto central dela, as águas dos rios Ururaí e Macabu, seus principais tributários, além do canal de Tocos, que vem trazendo grande quantidade de esgoto de Campos. Estes três canais se reuniram num só, em forma de tridente. Daí em diante, um só canal submerso até o canal da Flecha, que escoa as águas da Lagoa Feia para o mar, facilitaria o fluxo hídrico. O esgoto lançado na lagoa promove a superalimentação de suas águas e favorece o crescimento de plantas aquáticas, num processo chamado de eutrofização. Para completar, a lagoa Feia, que, em 1900, tinha cerca de 370 km2, tem hoje 170 km2. Vale dizer, ela perdeu em torno de 200 km2 e se tornou mais rasa pela deposição de sedimentos em seu fundo (assoreamento). Suas margens foram cercadas por proprietários rurais com diques ilegais, o que lhes permitiu roubar terras públicas. A grande lagoa, que amortecia cheias ordinárias e extraordinárias, teve sua função, neste sentido, extraordinariamente reduzida. No final de novembro, uma grande precipitação pluviométrica se abate sobre a bacia do rio Imbé. No meu entender, este fenômeno climático resulta, já, do aquecimento global. Quando faço tal afirmação, dizem que não tenho provas para tanto, mas quem me contesta também não conta com provas ao contrário. Portanto, é mais prudente acreditar que o aquecimento climático já está se manifestando na região. Acompanhem, agora, a seqüência lógica: as chuvas caem na Serra do Mar, onde não há mais tanta floresta para absorvê-las. Então, as águas descem pelos principais rios em direção ao vale do rio Imbé. Não tendo capacidade de absorvê-las, estas águas alagam suas áreas marginais e se encaminham para a Lagoa de Cima, já toda tomada por uma ubanização desordenada. Novo transbordamento. Dela, seguem para a lagoa Feia pelo rio Ururaí, que, além de estrangulado e barrado, não tem calha para absorver tanta água. Novo transbordamento, afetando casas e propriedades rurais. Indo em frente, as águas entram na lagoa Feia, mas não encontram mais a sua caixa de espraiamento por conta dos diques. Então, forçam as barreiras e transbordam pelos pontos abertos. Agora, as autoridades governamentais querem uma solução de emergência. Quando as chuvas amainarem, tudo será esquecido até ano que vem, quando, certamente, tudo se repetirá.
Aristides Soffiati - soffiati@fmanha.com.br 07/12/2008

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