domingo, 4 de maio de 2008

A ILHA DOS OLHOS AZUIS - CONVIVÊNCIA

Típica casa de uma família Muxuanga da Ilha dos Olhos Azuis
Matéria do Jornal O Diário 04/05/08
Por Débora Batista.
Quando o assunto é a erosão marítima que acontece em São João da Barra, o enfoque sempre é a praia de Atafona. Porém, o avanço contínuo do mar está diminuindo outro cenário: a Ilha da Convivência. Desde 1996, a ilha pertence ao município de São Francisco de Itabapoana, o que no fundo não agrada a nenhum sanjoanense. Afinal, mapas à parte, só vê a ilha quem está em São João da Barra, na praia de Atafona. Pergunte a qualquer morador da ilha, e a resposta será: sou sanjoanense. Sim, a ilha é habitada. A ilha é tão próxima e ligada a São João da Barra que os pescadores que moram em Atafona costumam ir até o local, ancorar suas embarcações para ali, num ambiente de tranqüilidade e natureza, lavarem suas redes e arrumarem seus barcos. Há moradores antigos que sonham em ter, um dia, a ilha de volta ao território do município.
O professor Gilberto Pessanha, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que vem pesquisando o fenômeno de erosão marítima no delta do rio Paraíba do Sul, garante: a ilha está diminuindo de tamanho. O Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, segundo André, identificou aumento das linhas d´água no local, o que significa diminuição de terra. A pesquisa feita pelo instituto aconteceu em 2006, motivada pelo aquecimento global. A pesquisa ainda vai além e aponta para o perigo de, em 25 anos, alguns pontos do Brasil sumirem do mapa. Entre estes pontos estão a Ilha da Convivência, a Praia de Atafona, a Ilha de Marajó e a Praia de Santos. André afirma que a Ilha da Convivência já sofreu diversos fenômenos naturais, como tufões e ressacas avassaladoras. Apesar de tudo, mantém-se intrépida e isolada.
Quando as tábuas de marés e condições climáticas são favoráveis, ir até a Ilha de Convivência pode ser uma boa opção para o turista. O passeio, no entanto, deve ser feito com guia e mestre de embarcação. Eles sabem que momento é propício. Na ilha, é possível fazer caminhadas nas areias, que mudam de direção a cada maré ou virada de lua. Os manguezais são paisagens que valem a pena serem vistos. A fauna é exuberante. A ilha abriga os ucas, minúsculos caranguejos; as marias-farinha, caranguejos da praia; além dos ninhais de garças. Com um pouco de sorte, o turista ainda encontra rastros de tartarugas marinhas que desovam em pontos da praia.
André Pinto indo para Ilha dos Olhos Azuis - Convivência
Da Ilha da Convivência, o turista tem a oportunidade única de conseguir uma visão privilegiada do continente. Quem levar um binóculo ainda poderá praticar o birdwatching (observação dos pássaros), sobretudo em relação aos pássaros migratórios como o trinta-réis e o maçarico-de-coleira, que chegam da América do Norte. O passeio com guia turístico é viabilizado pela prefeitura local. Na secretaria de Turismo (22 -2741-7878), o turista consegue agendar um passeio com profissionais credenciados pela Embratur, que conhecem um bom roteiro. O custo do guia em geral depende do tamanho do grupo que o seguirá. Para pernoites, é preciso permanecer em Atafona e seguir para o destino pela manhã. Uma das pousadas da praia oferece uma escuna que faz o trajeto Pousada-Manguezal, com parada na Ilha da Convivência. O passeio é viabilizado pelo senhor Diney. A mesma escuna também oferece outro itinerário. Trata-se do projeto Barca da Ciência, elaborado pela prefeitura sobretudo para alunos da rede pública municipal de ensino, através do senhor Plínio Berto.
CURIOSIDADES DE UM CANTO CERCADO DE MISTÉRIOS:
• A Ilha é tão misteriosa que em 1995, um ioate chamado Alquimista, recém-reformado na Bahia, encalhou em sua embocadura. Os tripulantes abandonaram a embarcação que adernou nas dunas submersas da foz do rio Paraíba.
• Uma capela chegou a ser carregada pelas ondas numa forte ressaca. Outra foi construída, mais afastada do mar.
• Uma antiga moradora, chamada Dona Belita, não sai da ilha por nada. Ela é a maior colecionadora de histórias para contar e já participou de inúmeros documentários.
A Ilha da Convivência é habitada. Por lá não há ruas ou casas com numerações mas há, sim, muitas construções. É interessante notar entre os moradores grande presença de pessoas claras com olhos azuis. Segundo o ecologista André Pinto, estes moradores são chamados de muxuangos: “Eles são provenientes de linhagem nórdica, com conhecimento em construção naval e pesca. Essa população é citada pelo sociólogo Joaquim Ribeiro em seu livro “Os Brasileiros”.As poucas famílias que ali residem e o modo exótico de levar a vida não deixam de aguçar a curiosidade de quem chega pela primeira vez. Há aproximadamente apenas cinco famílias residindo no local. Um número realmente pequeno para um ambiente que chegou a reunir 350 famílias. “É realmente um grande privilégio ter contato com os moradores locais para conversar sobre as lendas da ilha ou comprar um pescado. É preciso ter coragem para habitar fora do continente e resistir às ações do forte vento nordeste que por temporadas cobrem de areia suas casas”, observou André. Apesar de não contar com ruas, a ilha possui casas de alvenaria, mais baixas que as tradicionais, erguidas deste modo para resistirem ao vento Nordeste. A maioria não tem cerca ou muro. “Elas se assemelham às casas dos pampas gaúchos”, disse. Estas construções foram feitas aleatoriamente. A ilha pertence à marinha. Quem mora no local ergueu sua habitação sem a compra de um terreno. Segundo André, a ilha dos olhos azuis chegou a abrigar o poeta campista Osório Peixoto, escritor que faleceu em 2006. “Ele foi para lá em asilo político, na época da revolução. Juntou-se à comunidade e viveu, por um período, como um muxuango. Os registros desta experiência estão no livro “O Mangue”, contou André.O ecologista disse ainda que o escritor costumava comentar que as panelas das moradoras da ilha reluziam como estrelas no raio de sol, porque eram areadas com areia grossa da praia.
Outra peculiaridade da ilha é a forma como os casamentos aconteciam. Por lá, era comum que, de um dia para o outro, uma jovem desaparecesse de casa na madrugada. O rapto era consensual e desta forma surgia uma nova família. “Há uma tese de que os moradores da Ilha da Convivência eram náufragos, degredados ou amotinados das galeras ou caravelas que teriam sido esquecidos na ilha. Eram considerados bárbaros. Não tinham lei e ordem no início da ocupação da Convivência. Naquela época, das Capitanias Hereditárias, não havia uma obrigação legal ou repartição pública que ordenasse o convívio social”, explicou o ecologista.“Desta forma, um rapto considerado ilegal, ilegítimo e imoral, com o tempo passou a ser considerado um rapto consensual, com a anuência das famílias da Convivência. Raramente as uniões eram averbadas em cartório”, informou.