terça-feira, 18 de março de 2008

DOCUMENTÁRIO ESPECIAL - SEMANA MUNDIAL DAS ÁGUAS - RIO PARAÍBA DO SUL

André Pinto com alunos da UFRJ no delta
NA TRILHA DO RIO PARAÍBA DO SUL - POR FALHA DESTE BLOG - FAZEMOS MENÇÃO AO JORNALISTA E FOTÓGRAFO RESPONSÁVEIS PELA MATÉRIA EM QUESTÃO Quem conhece bem o rio sabe que ainda é possível salvá-lo, apesar de todas as agressões que o transformaram em um grande depósito de esgoto e ameaçam a sobrevivência de 15 milhões de pessoas. Quem olha de frente a imensa boca de 600 metros que o rio Paraíba do Sul abre ao encontro do mar no delta de São João da Barra, na região Norte Fluminense, não pode imaginar que aquele colosso de águas venha de um fiozinho gelado que brota, com o nome de Paraitinga, num tufo de vegetação da Fazenda da Lagoa, a 1.280 metros de altitude, na Serra da Bocaina, divisa dos municípios de Silveiras e Areias, Estado de São Paulo. Na serra em que nasce, próximo ao Pico da Boa Vista, o rio já enfrenta um cenário devastado. Das grandes florestas da mata atlântica, restam alguns vestígios aqui e ali, entremeados por plantações de eucalipto, proibidas por legislação ambiental, mas que florescem diante de quase absoluta ausência de fiscalização. Até o final de seu curso, 1.150 quilômetros abaixo, também não se fiscalizam as muitas agressões que ameaçam condenar o rio à morte: desmatamento, mineração de areia, pesca predatória, esgotos sem tratamento, lixo, acidentes ambientais.
O rio é límpido da nascente até Paraibuna, 200 quilômetros abaixo, onde foi represado na década de 70. A partir daí passa a chamar-se Paraíba do Sul. Ao entrar na zona industrial mais rica do País, logo abaixo da represa da Companhia Energética de São Paulo (CESP) – a primeira de uma série de cinco -, o rio muda de cara, de cor, de conteúdo. Depois do chamado cotovelo de Guararema, quando o rio encontra os contrafortes da Serra da Mantiqueira e faz uma curva de 180 graus, tomando a direção do rio de Janeiro, desaparecem os peixes – principalmente a piabanha e o dourado, espécies em extinção – sobrevivem apenas algumas espécies de quase nenhum valor comercial, como o mandi.
Sem peixes, estão sumindo também os pescadores. Grandes espécimes, só quando o rio se aproxima da foz, depois de uma seqüência saudável de encachoeiramentos, responsáveis por intensa oxigenação de suas águas. A degradação consentida está bebendo lentamente as águas do Paraíba, que ainda assim permite a vida de 15 milhões de pessoas em três estados, e abastece o País com energia elétrica extraída de represamentos que roubam sua saúde, criam barreiras intransponíveis para os peixes de piracema, facilitam o acúmulo de sedimentos e a proliferação de algas danosas.
Mas o rio tem salvação, concordam ambientalistas, biólogos, engenheiros sanitaristas e pescadores. Desde que haja vontade dos governos de controlar principalmente o esgoto doméstico, responsável por 90% da carga poluente despejada sem tratamento em milhares de pontos ao longo de seu curso. Cerca de um bilhão de litros de esgoto são lançados diariamente na bacia do rio Paraíba do Sul, mas o tratamento é feito em apenas 10 % dos 180 municípios. A cobrança pelo uso de suas águas, promessa de recursos para redimí-lo, começou há quatro anos, depois de discutida durante 40.
O total arrecadado até 2006, acrescido de contrapartidas dos projetos e injeção de recursos federais, alcança aproximadamente R$68 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA). Estima-se que seja necessário investir R$3 bilhões para vencer os problemas somados em quatro séculos. Esgoto – O grande vilão Pindamonhangaba, na região central do Vale do Paraíba paulista, tem 140 mil habitantes, trata 100% de seu esgoto. Quarenta quilômetros abaixo, Aparecida do Norte (SP), meca de peregrinos, 36 mil habitantes (aos quais se somam 170 mil nos fins de semana), não trata um só litro de esgoto. E o que é pior, o lançamento se faz numa imensa boca fétida 20 metros acima do ponto de captação de água que se bebe na cidade.
- Mas a água é boa – garante, reservadamente, um engenheiro do serviço municipal de água e esgoto, que admite custos elevados no tratamento químico para permitir transformar a água cheia de dejetos que sobe para a estação de tratamento.
O rio ali está tão assoreado que, por ocasião das festas da cidade, em outubro, os organizadores têm de pedir à Cesp que abra as comportas da represa de Paraibuna para elevar o nível das águas e permitir a passagem da procissão dos pescadores.
Existem projetos para a construção de quatro estações de tratamento de esgoto, a um custo de R$8 milhões. Por enquanto, a agência que administra a Bacia do Paraíba (Agevap) adiantou cerca de R$200 mil.
-Dá no máximo para comparar o terreno e fazer o projeto – diz o engenheiro sanitarista Nathan Barile Neves, diretor do Laboratório Ambiental de Resende, que estuda o Paraíba há mais de 30 anos. No Geral – diz ele - as cidades servidas pela Sabesp (a Companhia Estadual Paulista de Saneamento, caso de Pindamonhangaba) chegam a tratar até 80% do esgoto. Mas os serviços municipais, que têm menos recursos, tratam em torno de 5%. Há bons exemplos de mudança, como o de Resende, região do Médio Paraíba, que hoje trata apenas 8% de seus esgotos, mas está construindo, com recursos da cobrança de água, uma estação de tratamento que elevará o volume tratado para 58%.
Enquanto no Estado de São Paulo a média de esgoto tratado antes do lançamento está em 40%, no Estado do Rio de Janeiro tratamento é igual a zero. O que salva as águas do Paraíba, alerta o ambientalista Guilherme de Souza, da ONG Projeto Piabanha, de Itaocara (Noroeste Fluminense), é a longa seqüência de corredeiras e encachoeiramentos, responsáveis por intensa oxigenação da água, além de baixa densidade populacional, que limita o volume de esgoto. O que não salva o trecho do Paraíba que cruza Cambuci, 20 quilômetros abaixo, onde o esgoto do hospital da cidade é despejado um pouco antes do ponto de captação da água que bebe a população de 15 mil habitantes. -É esgoto que está matando o rio - diz Joaci Ferreira Gonçalves, 50 anos, Presidente da Colônia de Pesca de São Fidelis (Noroeste Fluminense). - O esgoto representa 90% dos problemas de poluição do Paraíba – garante Ana Celina Tibúrcio, monitora de educação ambiental da ONG Vale Verde, de São José dos Campos (SP).
O trecho de Itaocara a São Fidelis, de 90 quilômetros , é um paraíso piscoso em relação ao curso inteiro do rio. Situado abaixo do trecho rochoso e encachoeirado que começa em Além Paraíba tem um conjunto de ilhas com muita vegetação de mata ciliar, responsável por boa parte da alimentação da fauna.
Embora tenha recebido em 2003, através do afluente Pomba, grande descarga tóxica de soda cáustica em acidente ambiental ocorrido na Cataguases Celulose, em Minas Gerais, o rio salvou-se pouco tempo depois porque o agente causador não tem características de remanescência diluindo-se ao encontro do mar. Mas o estrago foi grande.
- Eu vi as lagostas e os caximbaus (cascudos) tentando fugir desesperados pela beira do rio – conta o pescador Luiz Carlos Damasceno, de São Fidelis, onde a lagosta local, uma espécie de pitu de grandes dimensões, desapareceu das gaiolas dos pescadores durante dois anos. Quando reapareceu, tinha algumas gramas a menos.
Mas a pesca foi proibida em 2004 e a proibição vigora até 2009. Por desinformação ou má-fé, muitos pescadores com suas gaiolas foram vistos ao longo do rio pescando lagostas. Não Há fiscalização.
- O Ibama apreendeu 200 gaiolas de lagosta recentemente, mas não é sempre que isso acontece - conta Lulu Assunção, guia de turismo que promove passeios de barco entre São Fidelis e São João da Barra.
Em Campos, surge outro componente ainda mais danoso que esgoto, o vinhoto, subproduto do processamento da cana-de-açúcar. Nos fundos da Usina Santa Cruz, a 15 quilômetros do centro da cidade, duas imensas bocas entornam o caldo pardacento que é veneno mortal para os peixes.
É crítico o assoreamento neste trecho. E as águas rasas dificultam a subida dos peixes de mar para desova. Tainhas e robalos têm grande dificuldade de chegar até a Cachoeira do Salto, em São Fidelis, onde se reproduzem. Joaci Gonçalves, pescador há mais de 50 anos, diz que os pescadores de São João da Barra estão cercando a boca do rio e impedindo a subida dos peixes. Os pescadores da foz do rio confirmam: ! Se não tem peixe no rio, temos de pegar no mar”, diz o pescador Francisco Rodrigues Filho, de Atafona.
-Não, o Paraíba tem salvação. É só pedir desculpa pelo estrago e mudar de atitude – diz o engenheiro sanitarista Nathan Neves. -Temos de montar uma comissão multidisciplinar de técnicos para esboçar uma série de ações com prazo determinado – afirma. Biólogo: hidrelétricas dividem o rio em compartimentos O biólogo Guilherme de Souza é Presidente da mais importante das ONGs que atuam em defesa do Rio Paraíba do Sul, o Projeto Piabanha. Desde 1991, ele está a frente do maior programa de repeixamento do rio, em parceria com a Pesagro, a empresa estadual de pesquisas agrícolas. É um dos muitos conhecedores que atribuem às hidrelétricas (cinco em operação, duas em projeto, uma em obra) a responsabilidade pela redução das espécies de peixes. - O represamento está transformando o Paraíba em uma seqüência de grandes tanques, em vários compartimentos que isolam a comunicação da fauna e impedem a troca de material genético- garante Guilherme.
Ele diz que a eutrofização, processo de multiplicação de microorganismos nos lagos das barragens, alimentaas algas nocivas, especialmente a capituva, que está tomando o trecho médio superior do rio. Guilherme teme também o que considera uma ameaça ainda maior, que estaria nos dois projetos de hidrelétricas logo abaixo de Itaocara, na barra do rio Pomba e em Cambuci, 20 quilômetros abaixo.
O primeiro irá inundar o maior conjunto de ilhas da bacia, de exuberante vegetação, o chamado Ninhal das Garças, berçário de aves e local de grande piscosidade. E nem mesmo a garantia de que serão feitas escadas para os peixes de piracema tranqüiliza o presidente do Projeto Piabanha. - Aqui bem perto mesmo, em além Paraíba, só as espécies exóticas conseguem subir a escada – afirma Guilherme. Fonte: Revista da Alerj – Ano I, n.º 01 – Dezembro de 2007

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