terça-feira, 18 de março de 2008

SOS ATAFONA - Transgressão na Foz do Rio Paraíba do Sul

1. Transgressão na Foz do Rio Paraíba do Sul
1.1. A Base do Estudo do Fenômeno: O Pontal de Atafona, situado à margem direita da foz do Rio Paraíba do Sul, encontra-se em um processo intensamente erosivo, iniciado há cerca de 40 anos. Para entendermos este processo é necessário primeiro identificarmos a patogênese deste fenômeno, para depois implantarmos uma solução adequada. Os fenômenos naturais dificilmente vêm a acontecer apenas por um único aspecto e sim por um somatório de fatores. No caso da transgressão do Pontal de Atafona, aconteceram dois fatores de capital importância para a ocorrência desse fenômeno, tendo em vista que o mar não é um produtor de seixos e de areia, mas sim um consumidor: • impedimento da sedimentação a ser realizada em seu lugar natural e espontâneo, na sua foz, com o contato direto entre o mar e o rio; • a diminuição da vazão e, conseqüentemente, a queda do volume total de sedimentação.
1.2. Os Espigões: No governo de Eurico Gaspar Dutra, acontecido na segunda metade da década de 40, foi iniciado um projeto para reimplantar as atividades portuárias na cidade de São João da Barra, atividades essas interrompidas com o advento do sistema ferroviário no final do século passado. A filosofia de projeto para a implantação do sonhado sistema portuário foi concebida da forma clássica, ou seja, com a realização de um espigão principal, indo do Pontal até às proximidades de São João da Barra, com cerca de 4 km de extensão, formando um canal central que propiciaria calado suficiente para a atracação de embarcações de maior porte. Transversalmente a esse espigão, uma série de espigões secundários formariam um sistema reticulado. Com a paralisação definitiva das obras, há cerca de 40 anos, formaram-se, em toda a sua extensão, diversos lagos que vêm obstruindo a vazão normal do Paraíba. A paralisação das obras ocorreu no início da década de 50 e a segunda etapa, ou seja, o aterro da margem do rio até o espigão principal nunca foi sequer iniciada.
1.3. O Porquê da Construção: É do conhecimento público que o sistema portuário, idealizado pelo Governo Federal, teria a finalidade, não só mercantil, como serviria também de base naval para abrigar parte da esquadra da nossa Marinha de Guerra pois as embarcações ficariam fundeadas em água doce, menos nocivas a seus cascos. Teve início, também na mesma época, a construção da inacabada e abandonada Escola de Aprendizes de Marinheiros, no local hoje conhecido como “balneário”, em Atafona.
1.4. - O Impedimento da Sedimentação na sua Foz: Nos dias atuais, os cerca de 2.000.000 m² de área, formados pelo espigão tronco e as margens do rio, encontram-se totalmente assoreados, restando apenas canais de pequena largura por onde se pratica a navegação local. O aterro, que deveria ter sido feito logo após o término da construção dos espigões, também não foi realizado. No entanto, ao longo de quatro décadas e meia, o velho Paraíba o fez, com seu grande poder de erodir nas cabeceiras e sedimentar na sua foz. Podemos inferir que os cerca de 6.000.000m³ (ou um milhão de caminhões basculantes), que foram depositados nos locais formados pela malha dos espigões, acarretaram uma sedimentação indevida, proveniente do endicamento formado pelos espigões, ou seja, assoreamento pela interferência de uma obra, ou barragem, não realizada.
1.5. - A Erosão do Pontal: O mar não sendo um produtor de areia e sendo a costa local constituída de solo tipicamente granular, sem nenhuma coesão, com o fluxo de sedimentação sendo interrompido ao longo dessas décadas, concluímos enfaticamente que, pelos fatos expostos, o mar consumiu as areias do Pontal. O destino da natural deposição seria o Pontal. No entanto, a chegada desse material (6.000.000 m³) foi obstaculado pela construção dos enrocamentos já mencionados. Pelo exposto, afirmamos que a construção dos espigões, há décadas atrás, impossibilitou os produtos originários da erosão, a montante do nosso Paraíba, de serem sedimentados na sua foz , interrompendo o ciclo natural de depósito no litoral. Acresce a isso, o fato do vento predominante no local ser o nordeste, originando uma forte corrente marítima, no sentido leste–oeste (em direção a Grussaí), acarretando, ano a ano, uma gradativa diminuição da extensão de praia em Atafona.
1.6. - O Complexo Hidroelétrico de Lages da Light: Outro fator, conjugado com os efeitos da construção dos espigões para acelerar a transgressão do Pontal, foi a construção do Complexo Hidroelétrico de Lages, da Light, cujas águas são captadas do Rio Paraíba do Sul, na elevatória de Santa Cecília, no Município de Barra do Piraí- RJ. 1.7. - A Queda da Vazão do Paraíba:
Esta captação absorve 60% da vazão, pois, da vazão de 270 m³/s que o Paraíba do Sul tem nesta região, 160 m³/s são retirados de sua calha natural para constituir o sistema Light e a estação de tratamento do Guandu. Sabemos que o volume de material, sedimentado por um curso d’água é diretamente proporcional, entre outros fatores, à sua vazão.
1.8. - A Construção sem Planejamento: A realização do projeto que originou o Sistema Light-Guandu, sob a nossa ótica, não foi apoiado em dados técnicos, objetivando uma não desestruturação do ecossistema de toda a bacia do Rio Paraíba, a jusante do conjunto elevatório de Santa Cecília, e também da bacia hidrográfica do artificial Rio Guandu, que, anteriormente à realização das obras, era um arroio e chamava-se Guandu–Mirim. Também não houve a preocupação em proceder-se a uma análise detalhada dos aspectos técnicos e econômicos, bem como da importância de não se alterar a vazão e, conseqüentemente, o curso d’água de tão importante sistema fluvial para a economia do país (12 % do PIB nacional), ocasionando danos irreparáveis à população à jusante da barragem .
1.9. - A Contradição: As obras do sistema Light foram terminadas há cerca de quatro décadas, coincidindo, praticamente, com a paralisação das obras relativas aos espigões na foz do Paraíba para a construção do imaginário complexo portuário. Como se explica que, em uma mesma época (há quatro décadas atrás), na foz de um curso d’água, estivesse se desenvolvendo um arrojado sistema portuário marítimo–fluvial e, no seu curso médio, 60 % da sua vazão estivesse criminosamente sendo sangrado? É de conhecimento público que, na época, todas as cidades a jusante da Elevatória de Santa Cecília, tiveram que adequar as tomadas d’água para as suas estações de tratamento.
1.10. – A Bacia de Sepetiba: Com a criação do novo Rio Guandu, antigo Rio Guandu–Mirim, que tem a sua foz na bacia de Sepetiba e a nascente no Rio Paraíba do Sul, houve um gravíssimo aceleramento hidráulico, implicando em um rápido assoreamento. Consta-nos que os serviços rotineiros de dragagem do porto, localizado na Baía de Sepetiba, é cinco vezes maior que em outros portos semelhantes. Estes dados, vêm evidenciar a fortíssima contribuição do assoreamento proporcionado pelo artificial Rio Guandu. No nosso entender, não se optou por critérios racionais, na altura dos estudos básicos, para a implantação deste projeto, beneficiando apenas a cidade do Rio de Janeiro, obra orquestrada criminosamente pelo governo federal, ocasionando os prejuízos agora verificados na sua foz. Na época, o Distrito Federal estava localizado no Rio, Estado da Guanabara, cidade conhecida internacionalmente pela constante falta d’água. Hoje, afirma-se que a Baía de Sepetiba está fadada, em poucos anos, a se transformar em imensos bancos de areia.
1.11. - O Beneficiamento da Light: Como é do conhecimento público, o sistema Guandu fornece água tratada parapraticamente 80% da população, da baixada fluminense até a cidade do Rio de Janeiro. Na época da implantação do projeto, o consumo de água era da ordem de 25 m³/s, e hoje, este consumo chega próximo à casa dos 50 m³/s.
O sangramento dos 160 m³/s, desde o início da implantação, a nosso ver, teve o objetivo único de aproveitar este manancial, devido a altura da queda d’água de cerca de 350 m, para a transformação da energia hidráulica em eletricidade. Como vemos, dos 160 m³/s, apenas 25 m³/s são utilizados para o abastecimento d’água da região metropolitana já mencionada. Concluímos, portanto, que o sangramento dos 160 m³/s deveu-se unicamente ao aproveitamento hidráulico por parte da Light canadense.
1.12. - O Maior Delta do Planeta: Pelo exposto, sem sombra de dúvidas, afirmamos que se houvesse, por parte de quem implantou tal sistema, a preocupação pelos danos às demais cidades e ao meio ambiente, este projeto deveria ser implantado de forma gradativa e não da forma abrupta como foi. Esta intervenção no curso médio do Rio Paraíba do Sul, em meados da década de 50, teve como resultado, numa observação irônica, a formação do maior delta do planeta, pois o Paraíba tem hoje um braço na Baía de Sepetiba e o restante do seu curso d’água na foz natural em Atafona. Daqui para frente poderíamos afirmar que a cidade do Rio de Janeiro encontra-se situada geograficamente no delta do Rio Paraíba Sul.
1.13. - As Causas da Patogênese: Coincidentemente, em uma mesma época, há cerca de 40 anos, tivemos dois fatores que julgamos serem decisivos para haver uma erosão provocada pelo mar ao longo do litoral. A construção dos espigões, que foi a causa da retenção de grande parte do material erodido da sua bacia hidrográfica, não na foz propriamente dita, e sim, a poucos quilômetros antes, e a diminuição drástica da descarga com a construção do sistema Light / Guandú, absorvendo cerca de 160m³/s, (60 %) da vazão do Paraíba, no município de Barra do Pirai – RJ.
1.14. – A Idade da Bacia Sedimentar do Rio Paraíba do Sul: Pela área aproximada de 2.000.000 m², correspondente a um volume de 6.000.000 m³ (0,006 km³) de material sedimentado ao longo dos 40 anos de sua existência, estamos diante de uma situação suigeneris para o cálculo da idade aproximada da bacia sedimentar do Rio Paraíba do Sul. Sabemos que a desnudação ribeirinha, fatores interferentes do homem e outras causas, aumentam a sedimentação dos cursos d’água. Com o sangramento da sua vazão em Santa Cecília, utilizaremos a sedimentação na região dos espigões como sendo a média, ou seja, 0,0002km³/ano, pois, como afirma Cailleuix, a quantidade de matéria retirada a cada ano das terras e transportadas para o mar, por todos os rios do globo terrestre, é da ordem de 12 km³.Sendo o Paraíba do Sul, a nível mundial, um rio médio, tanto em extensão, como em bacia hidrográfica e descarga, o valor que calculamos de volume de sedimentação, comparado com o valor total de 12 km³, é totalmente compatível, ou seja, 60.000 mil vezes menor que a descarga total de todos os rios do planeta. Por regra de três, a quantidade de matéria depositada na bacia sedimentar do Paraíba é, aproximadamente, de 200 km³ ao longo de 1.000.000 de anos (período quaternário). Admitindo uma altura média de 60m de sedimento, encontramos uma área equivalente de cerca de 3.300km², área esta correspondente à bacia sedimentar do Rio Paraíba do Sul, junto à sua foz nos dias atuais.
2. CONCLUSÃO O processo histórico de formação das cidades na área do vale do Paraíba mostrou que a partir do século XX, os municípios diversificaram-se na forma de produzir, trazendo para uns crescimento, e para outros estagnação. O Rio Paraíba do Sul mostra-se, dessa forma, como um fator importante no crescimento das cidades e como fonte de riqueza e sobrevivência da região. Não é à toa que a rodovia Presidente Dutra circunda este rio, uma vez que, para as indústrias, é importante a sua localização próxima às rodovias e aos rios, para escoamento de produtos e, também para que possam movimentar máquinas, quando usadas no preparo da matéria prima e na limpeza dos produtos e manufaturados. No entanto, o próprio processo de industrialização trouxe grandes problemas, não só para o Rio Paraíba do Sul, como para as áreas florestais ribeirinhas. As cidades que não cresceram, não tiveram condições econômicas de construírem uma estrutura adequada de esgoto e água tratados. As cidades industriais, por sua vez, cresceram tanto que perderam o controle dessas estruturas, não conseguindo canalizar esse sistema hidráulico nem, contudo, puderam construir estações suficientes, capazes de comportarem a quantidade de pessoas que aportam todo ano, a chamada população flutuante. As medidas tomadas não são suficientes para o tamanho do problema. Qualquer programa de crescimento da região tem de levar em conta a despoluição, a preservação do Paraíba, assim como a recuperação das áreas florestais e das coberturas vegetais das suas encostas. As cidades pequenas, ao longo das suas margens, necessitam de programas de incentivo para que possam crescer e construir seus sistemas de saneamento básico, sem destruir suas tradições culturais e, assim, manter os jovens no seu município de origem, uma vez que hoje se deslocam para os grandes centros, com maiores possibilidades de emprego. Ao mesmo tempo, as cidades industriais, necessitam reavaliar seu processo de crescimento, investindo maiores recursos em obras de saneamento básico e de educação e cultura, de forma a valorizar o cidadão e a melhorar seu nível de vida. Todo crescimento da região, portanto, necessita de um trabalho conjunto, um planejamento que leve em conta não só o crescimento industrial, mas sim o equilíbrio social, em torno da melhoria de vida do homem e da preservação da natureza. Ao mesmo tempo, deve levar em conta, seu potencial turístico, desde que não seja um turismo destruidor, mas sim ecológico ou estruturado e de caráter cultural. Com essa extensa linha de raciocínio, não temos dúvida alguma em afirmar: a transgressão do Pontal de Atafona na foz do Rio Paraíba do Sul, no Oceano Atlântico, teve como causas principais a barragem ocasionada pela construção dos espigões já explicitados, bem como, o gravíssimo sangramento realizado, sem nenhum critério técnico–hidrológico–sedimentológico, na Elevatória de Santa Cecília, no município de Barra do Piraí - RJ.
3. RECOMENDAÇÕES As principais medidas a serem tomadas, para solucionar os problemas ambientais da região fluminense, que englobam os municípios banhados pelo Paraíba do Sul são: ⇒ Ampliar as redes de coleta e despejo de esgotos municipais, destinando-os a sistemas de tratamentos adequados, antes do lançamento aos cursos d’água; ⇒ Evitar lixões em áreas próximas aos cursos d’água, várzeas, zonas de recargas e zonas favoráveis à perfuração de poços, destinando os resíduos aos sistemas legalmente aprovados e em boas condições de operação e manutenção; ⇒ Obter uma fiscalização ambiental mais eficiente dos despejos líquidos industriais (metais pesados), nos despejos domésticos, dos portos de areia, desmatamentos, etc.. A sociedade deve ser informada dos problemas ambientais e buscar formas de participação na solução dos problemas apresentados; ⇒ Oficializar, protocolar e acompanhar os procedimentos dos órgãos fiscalizadores. Pode-se, de acordo com a gravidade do caso, oficializar ao Ministério Público, para uma ação judicial contra a agressão ao meio ambiente, denunciando, também, aos meios de comunicação e às ONGs – Organizações Não Governamentais Ambientalistas. Com isso, objetiva-se a criação de um sistema de gestão ambiental, um canal para discussão de políticas públicas municipais na área do meio ambiente, estimulando a troca de experiências e investimentos na capacitação dos agentes municipais. Como conseqüência natural de toda essa agressão ambiental, o Rio Paraíba do Sul, na sua foz, apresenta-se doente causando sérios problemas ambientais na praia de Atafona – RJ.
Por todo o exposto, o SOS ATAFONA e o CENTRO DE REFERÊNCIA DO MOVIMENTO DE CIDADANIA PELAS ÁGUAS EM ATAFONA propõem as seguintes metas: ⇒ planejar, adotar e auxiliar a execução de ações, programas e projetos destinados a promover e a acelerar o desenvolvimento sócio-econômico ambiental da sua foz; ⇒ incentivar programas ou medidas destinadas à recuperação, conservação e preservação do meio ambiente; ⇒ promover a integração de ações, programas e projetos desenvolvidos pelos órgãos governamentais e empresas privadas, objetivando a recuperação e preservação ambiental da foz do Paraíba; ⇒ apoiar e incentivar a educação ambiental e o desenvolvimento de tecnologias que possibilitem o uso racional dos recursos naturais; ⇒ participar da gestão dos recursos naturais em conjunto com outros órgãos; ⇒ promover formas articuladas de planejamento regional e local, criando mecanismos conjuntos para consultas, estudos, execução, fiscalização e controle de atividades que interfiram na qualidade ambiental da área em questão; ⇒ assessorar a adequação dos instrumentos legais de implantação da política ambiental municipal; ⇒ assessorar o município na elaboração do seu plano diretor; ⇒ assessorar tecnicamente o município na implantação de unidade administrativa ambiental, respeitando as peculiaridades locais; ⇒ participar diretamente do processo de avaliação de programas e projetos ligados ao meio ambiente; ⇒ assessorar, no aspectos necessários à gestão do sistema de meio ambiente, quanto ao desenvolvimento sustentável; ⇒ desenvolver projetos de engenharia, específicos para a área já degradada, objetivando uma solução adequada, que venha resolver o problema hoje existente, estancando o avanço do mar, redesenhando a nova praia. 4. Referências 􀂃 Técnicas: Engº. Sérgio Romero Lopes Costa Engº Vicente Ponce Pasini Júdice • Bibliográficas: Cailleaux, André - A Geologia Lamego, Alberto Ribeiro - O Homem e a Restinga Guerra, Antônio Teixeira - Dicionário Geológico–Geomorfológico Memória da Eletricidade -A História da Energia Elétrica no Rio de Janeiro Oliveira, Céurio - Dicionário Cartográfico Penteado, Margarida - Fundamentos da Geomorfologia Carlos AA. de Sá - Jornal S. JOÃO DA BARRA Direitos Autorais: SOS ATAFONA – Associação de Amigos Defensores de Atafona E-mail: serloc@mls.com.br São João da Barra/RJ, 07 de Julho de 1999
REGISTRADO SOB O N.º : SAA365/1999

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