quarta-feira, 28 de julho de 2010

A TRADIÇÃO DA CONSTRUÇÃO NAVAL ARTESANAL SANJOANENSE AINDA PRESERVA MUITOS APETRECHOS E HISTÓRIAS CURIOSAS

Foto: Este vapor pertencia à "Companhia de Vapores São João da Barra - São Fidélis", que fazia o transporte de passageiros e mercadorias, principalmente café, para os portos de Campos e São João da Barra. Fonte: www.saofidelisrj.com.br HISTÓRIA + APETRECHOS = TRADIÇÃO Em conversa com o meu amigo "Caxuxa", residente na CEHAB em Atafona e que é um exímio mecânico de embarcações variadas - desde simples embarcações até grandes traineiras - pude ouvir muitas das histórias por ele contadas de um tempo em que, para se construir uma embarcação, o artífice em muito penava. No domingo passado, sentado à sala de sua casa e saboreando uma porção de bolinhos de peixe ao limão - da deliciosa carne do "Barana" feita por sua gentil esposa - ouvi histórias interessantes de como se traziam as toras de oiticica amarela pelo Rio Paraíba do Sul, arrastadas pelos pranchões descendo rumo à foz. Segundo "Caxuxa", as toras vinham das imediações de Cardoso Moreira, até então, ainda favorecidas por uma navegação constante, mas perigosa por causa das pedras submersas. Quem puxava essas toras era nada menos que seu pai, o saudoso Sr. Amaro Luiz Barreto. O "Seu" Amaro fazia este percurso regularmente e possuía um estaleiro artesanal na Ilha da Convivência, ou também conhecida "Ilha dos Olhos Azuis", hoje pertencente à São Francisco do Itabapoana. "Caxuxa" explicou com detalhes como era feita a construção das embarcações na Ilha da Convivência, desenhadas e executadas por seu pai, um autodidata. O "Seu" Amaro não tinha na época equipamentos elétricos e usava ferramentas manuais, tanto para cortar, furar, calafetar , polir etc. Uma embarcação daquela época dava muito trabalho para construir, afirmou "Caxuxa", lembrando o seu pai. Era tudo madeira-de-lei e consecutivamente muito rígidas para serem moldadas e perfuradas. O risco de acidentes era constante, mas a coragem dos construtores sobressaía. Na visita ao"Caxuxa", eu levei alguns livros que comprei no ano passado sobre a história da navegação portuguesa, com fotos de embarcações típicas da Baía do Rio Tejo e, para minha surpresa, "Caxuxa" exemplificou alguns modelos de embarcações constantes nesses livros, que o pai dele chegou a fazer igual em São João da Barra, dando exemplo das traineiras de proa arrendondada, também em destaque no livro "Apontamentos para a História de São João da Barra" de meu saudoso pai João Oscar. Não parou por aí. "Caxuxa" afirmou ter guardado em um galpão, muitos apetrechos utilizados por seu pai, dando exemplo dos serrotes de fita, formões, maçaricos, pregões, macetes etc, além de ter, em excelente estado, uma embarcação do tipo "Batelão", muito utilizada por pescadores locais, num tempo em que os sertões sanjoanenses abrigavam uma riquíssima mata de tabuleiro com a presença de madeiras-de-lei como o guanandi, o vinhático, o cedro, o jacarandá, o roxinho, etc. Acredito que outros artíficies de Atafona também tenham guardado muitos apetrechos da construção naval de um tempo que não se havia energia elétrica, afirmou "Caxuxa". Tem gente com muitas fotos antigas espalhadas por aí, dedurou o "Caxuxa". O mecânico "Caxuxa" faz os reparos das embarcações no fundo de seu quintal, onde dá vista para o Canal da Cehab. Ele também possui um acervo riquíssimo de fotos das procissões da Festa de Nossa Senhora da Penha em Atafona e da antiga capela de Nossa Senhora dos Navegantes que foi tomada pelo avanço do mar, mas vai logo avisando - "Não empresto para qualquer um, não! É herança de família", afirma. TRADIÇÃO AMEAÇADA? Fico imaginando o seguinte: com a chegada do estaleiro da OSX no Porto do Açu, quantos desses muitos trabalhadores da construção naval artesanal da região estarão sendo "assediados", no bom sentido, a trabalharem nas construções de grandes "peças" de navios e "peças" para o mercado off-shore do petróleo e deixarão no esquecimento as tradições da construção naval artesanal passadas por seus ascendentes de geração em geração. A verdade é que o estaleiro da OSX propiciará uma oportunidade ímpar na geração de renda desse pessoal trabalhador e que conhece , mesmo que de forma autodidata, a construção naval local, sendo uma mão-de-obra local muito importante para os empreendedores. A cidade de Seixal, em Portugal, entendeu este dilema de transformações e partiu para o resgate da sua identidade local, onde está implementando ações importantíssimas para a manutenção de seu único estaleiro artesanal com medidas muito interessantes, que relatarei em matérias futuras. Taí um tema para ser discutido no âmbito da cultura do município, que tem suas origens na pesca e na construção artesanal de embarcações. Sabe-se que material suficiente para um Museu da Cosntrução Naval Artesanal Sanjoanense nós já possuímos... Obrigado "Caxuxa"!

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