sexta-feira, 30 de julho de 2010

ATAFONA EM DESTAQUE - REVISTA VIVER BRASIL FAZ MATÉRIA SOBRE PROCESSO EROSIVO NO LITORAL BRASILEIRO

Mar Adentro

Litoral brasileiro sofre com avanço das águas do oceano: são dezenas de cidades, centenas de construções e milhares de pessoas atingidas

Texto: Silvânia Arriel | Fotos: Alexandre C. Mota Envie seu comentário

Serafim Alves Barreto, que vigia a maré em Atafona, São João da Barra: “Hoje moro longe do mar”

Antes sem medo dele. Foram 44 anos de trabalho no mar, no vaivém das ondas que lambem o continente, demarcam seu espaço no planeta. Hoje em terra firme, o ex-pescador Serafim Alves Barreto vigia se a maré vai subir, seguir o ritmo de avanço de 21 metros nos últimos três anos em Atafona, distrito de São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro. Sete metros espichados a cada 12 meses, num fenômeno repetido desde a década de 70 em proporções menores, sem aquecimento global, que puxou para as profundezas do oceano Atlântico seis ruas, 400 casas. Deixou outras, aos escombros, na superfície da terra, a vista, a exigir respeito ao ciclo natural de ir e vir, que se agiganta também em outros trechos atulhados de gente no litoral brasileiro, ameaça, faz estragos, numa luta desigual de força com o homem.

Protesto do mar

Confira cidades atingidas pelas ondas na costa brasileira. Há locais, como Atafona, onde o mar avança 7 m por ano

O que causa

  • Ação do homem: construções à beira-mar que impedem o vaivém natural das ondas, contribuem para mudar a direção de correntes marinhas e o aparecimento de erosões (diminuição do espaço de areia) e progradações (aumento)
  • Fatores naturais: elevação da temperatura dos oceanos, da pressão dos ventos sobre o continente e do nível do mar

Praia superpovoada

  • 13 regiões metropolitanas
  • 395 cidades, que representam 7% dos municípios do país
  • 1 a cada 4 brasileiros vive nos 8.698 km do litoral

Construções no limite

  • 50 m do mar em direção ao continente em áreas urbanizadas e 200 m sem urbanização prevê o decreto federal 5.300 de dezembro de 2004
  • Na Grécia são 500 m
  • França, Turquia, Suécia e Noruega no mínimo 100 m

Fonte: Alberto Costa Lopes, gerente da Área Costeira e Marinha do Ministério do Meio Ambiente, Marinez Scherer, diretora técnica da Agência Brasileira de Gerenciamento Costeiro, Gilberto Pessanha Ribeiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ)

Começo da destruição das casas em Atafona, na década de 1970
Começo da destruição das casas em Atafona, na década de 1970
Jogou água na Baía da Traição, na Paraíba, põe em risco construções em Recife, Olinda, Fortaleza, Santos, sugou praia em Marataízes e Conceição da Barra, no Espírito Santo, e vive de sentinela em Ata­fona, que quer dizer moinho. “Prati­ca­mente toda a costa marítima está vulnerável e preocupa”, afirma Al­ber­to Costa Lopes, gerente da Área Costeira e Marinha do Ministério do Meio Ambiente. Ora com erosão, diminuição da faixa de areia que impulsiona o avanço do mar, e em me­nor incidência com a progradação, o aumento do tamanho das praias. “Ameaça ecossistemas, pessoas, ati­vidades econômicas e cadeias pro­dutivas, investimentos em prédios e infraestruturas.”
Escombro de construção: mar avançou 21 metros em três anos
Escombro de construção: mar avançou 21 metros em três anos
Em Atafona foram-se casebres, mansões, ruas, a capela de Nossa Senhora dos Navegantes, o prédio onde seria um hotel. Cavados lentamente na for­ça perseverante das ondas. “A casa onde mora­va foi destruída aos poucos, a gente ia mudando de cômodo”, diz o pescador José Luiz Gonçalves. Até ser expulso da última parte e parar em ou­tra construção, antes distante e hoje na beirada do mar.8 “Fico assustado, ainda mais se a geleira derreter.” Está numa área interditada de 800 metros, onde outras pessoas teimam em permanecer no que restou.
Sacos e folhas de coqueiro tentam barrar a areia sobre as casas
Sacos e folhas de coqueiro tentam barrar a areia sobre as casas
Pichação em muro lembra o apocalipse, que se repete em outros locais
Pichação em muro lembra o apocalipse, que se repete em outros locais
Da casa de quatro quartos, sala, copa, cozinha, ficou a garagem. “É onde a gente vive”, apresenta-se Oswal­do Moacir Estêvão Moté, que divide o espaço improvisado com a neta Maria Carolina. Era o vigia, agora o morador atento à subida das ondas, que atulham de areia quase o teto das construções, cobrem árvores. Sa­cos empilhados, folhas de coquei­ro tentam preservar as residên­cias, que deveriam estar desocupadas ali e na área do encontro do rio Paraíba do Sul com o mar, numa transgressão da lei dos homens e da natureza. “Tentamos trans­ferir as famílias de lá, são 50, para conjunto habitacional, mas o lugar é cultural, antigo. É como retirar os moradores de Olinda”, explica Felício Medeiros Valiengo, co­ordenador da Defesa Civil de São João da Barra.
Árvores no meio da praia em Atafona: invasão das ondas
Árvores no meio da praia em Atafona: invasão das ondas
Não se sabe até quando poderão ficar à beira-mar deste distrito, com fama de fim de mundo. Por to­dos os lados que se ande há frases pichadas nos muros e escombros sobre o apocalipse, a volta de Je­sus. “Aqui virou turismo da desgra­ça”, lembra o jornalista e escritor Carlos Sá. Sabe que não deveria ser. Estudos mostram que 50% do fenômeno é provocado por causas na­turais e 50% pela ação do ho­mem. Tem a ver com a velocidade do vento, que amplificou a energia das ondas e disparou o processo erosivo. Acelerado com o assoreamento do rio Paraíba, que diminui a vazão da água e de sedimentos no oceano e empurra o mar.
José Luiz Gonçalves: “Minha casa foi destruída aos poucos”
José Luiz Gonçalves: “Minha casa foi destruída aos poucos”
Neste início do ano, houve retração. “Mas o cenário é agravante. Essa situação deve ser momentânea, não há realidade para recuo”, diz o professor Gilberto Pessanha Ribeiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UERJ), que pesquisa a erosão costeira em Atafona. Detectou o que causa e o que deve ser feito: a retirada das famílias para que o mar desenvolva seu curso natural, sempre mutante, e o monitoramento das ondas, ventos, marés. A transferência das pessoas esbarra na cultura, lembra Valiengo, a medição é feita por aparelhos, pelo ex-pescador Serafim, o que sempre vai verificar como está a maré.
Oswaldo Moté, com a neta Maria Carolina: ficou a garagem
Oswaldo Moté, com a neta Maria Carolina: ficou a garagem

“Perdi três casas na ilha da Con­vivência. Hoje moro distante do mar”, conta seu Serafim. A ilha, aí, fica ao lado de Atafona, onde viviam 350 pessoas e atualmente cinco. Tudo mu­dou, se transforma, e deve modificar-se pela força do vento e a mão dos homens nos 8.698 km de costa brasileira, onde estão, um em cada quatro brasileiros, a maioria nas áreas urbanas dos 395 municípios estendidas entre o Maranhão e o Rio Grande do Sul. “Essa concentração, não só de população, mas também de atividades econômicas, leva à ocupação da orla marítima mais próxima à linha da praia, onde se verificam os impactos mais contundentes”, afirma Alberto Lopes.

Muro de pedra em Marataízes: tentativa de conter o mar
Muro de pedra em Marataízes: tentativa de conter o mar
Estão aí para se ver, queixar, arrumar. Em Marataízes, as máquinas trabalham 24 horas para o aumento artificial de areia na praia Central, que se foi com a erosão, quase alagou pré­dios, casas, lojas, hotéis. “As on­das atravessaram a avenida Atlân­tica. Depois era só a maré crescer um pouco que a gente ficava assustada”, diz o morador Luiz Manoel da Silva. As obras reduziram o pânico: dois espigões, um em cada extremidade da praia, e três quebra-mares foram erguidos para domar as ondas. Contenção de pedra que se repete em Conceição da Barra, também no Espírito Santo, e traz a dúvida se vai segurar o avanço do oceano nestas cidades e prejudicar outros locais ao sul. “Não conheço as obras de lá, mas qualquer muro de pedra que impeça o movimento da areia, sua dinâmica natural, pode prejudicar as praias mais abaixo”, explica a biólogoa Marinez Scherer, diretora técni­ca da Agência Brasileira de Geren­ciamento Costeiro.
Draga retira areia em alto-mar e lança na praia (foto abaixo)
Draga retira areia em alto-mar e lança na praia (foto abaixo)
O governo do Espírito Santo se cala. “A solução clássica de reposição de areia nas praias sujeitas à erosão não parece sustentável”, emenda o gerente da Área Costeira e Marinha do Ministério do Meio Ambiente. O diretor geral do Departamento de Es­tradas de Rodagem (DER-ES), Eduar­do Mannato, não responde as perguntas. A solução para retrair o mar? Especialistas apontam o dedo para o limite das construções: não ultrapassar a área do movimento natural do oceano, que não segue só um curso, muda devagarzinho, vai mais além e passa por cima de anteparos.
Luiz Manoel da Silva: “As ondas atravessaram a avenida”
Luiz Manoel da Silva: “As ondas atravessaram a avenida”

“Nossa costa não é planejada, não se leva em consideração a fragilidade de áreas, como os mangue­zais, as dunas”, argumenta Ma­rinez Scherer. Há de se reconstruir o imaginário de que viver à beira-mar se traduz em bem-estar, natureza, lazer, esporte. É preciso distanciamento, respeitar os caprichos do oceano. “Se confirmarem as previsões de subida do nível do mar, a situação vai piorar”, antevê a bióloga Marinez. Tem que vigiar, tratar bem, não aceitar briga com a natureza que, quando ameaçada, reage, e os homens, com toda a tecnologia, força, não conseguem con­tê-la.

*A matéria enviada a este blog foi uma cortesia do engenheiro Marco Lyra,especialista em dinâmica costeira, que reside no litoral do nordeste e que mantem contatos frequentes com Andre Pinto.

Um comentário:

Anônimo disse...

André parabéns pela preocupação em levar boa informação aos moradores de Atafona.