Foto: O escritor de reconhecimento internacional, Luiz Galdino, lembra São João da Barra em sua obra "Balada do Paraíba".
ATENÇÃO PROFESSORAS E PROFESSORES DE SÃO JOÃO DA BARRA: ESTE É UM ÓTIMO TEXTO PARA CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS SOBRE A NOSSA TERRA E O RIO PARAÍBA DO SUL. VALE A PENA LER!
Balada do Paraíba
O meu Reino ia de serra a serra,
A da mantiqueira era verde,
a do mar era azul.
E no vão das duas varava o rio.
Pára aí, Paraíba!
O rio não parava, só esbarrava no mar.
Assim contava meu pai, ele conhecia o lugar.
São João da Barra!
O que mais tinha lá era fruta.
De comer e de chupar, lambuzar e engasgar, até na hora de contar.
Goiaba, jambo e araçá;
pitanga, jaca mole e cambucá.
Esse, o tipo de fruta que dava lá.
Também, tinha peixe.
De turvo e água clara, de corrente e remanso.
Dos muitos jeitos de pescar, qual o melhor?
Nhá Maria ria e dizia:
-É só chegar no barranco e chamar!
Bagre, cascudo e mandi;
dourado, robalo e lambari.
E pára aí, Paraíba!
O rio não parava, só esbarrava no mar.
Pra onde foi tanto peixe,
pra onde foi Nhá Maria?
São João da Barra, meu pai contava.
Ele conhecia o lugar.
Bom Jesus de Piedade
era o nome do lugar. Difícil de encontrar.
E flor era coisa de enjoar.
Flor, flores, florinhas e florindas.
E flor de fita nos cabelos de Rita.
Tinha dália e crisandália, alecrim e mimosa,
além do cravo que brigou com a rosa,
debaixo de uma sacada que nem existia.
A cerca era viva: toda flor de primavera.
E a flor maior: bico-de-papagaio
Dona Emília teimava: flor de papagaio!
Seu Juca Biluca ria:
pra que papagaio quer flor?
Na mão direita, tinha nenhuma roseira.
Havia uma touceira de hortênsias
e minha mãe desgostava. Não das flores:
uma explosão de estrelinhas azuladas,
constelando o céu verde musguento.
Mas da saparia jururu e cururu,
que criava e procriava sob as ramagens.
O resto era flor de mato.
A gente despetalava e cantava:
bem-me-quer...mal-me-quer...
bem-me-quer...
E pára aí, Paraíba!
Água que desce acaso torna à fonte?
Pra onde desceu dona Emília?
Pra onde tornou seu Juca?
O rio não parava e lá se ia a flor.
Só esbarrava no mar. Assim contava meu pai, ele conhecia o lugar.
Eu pedia, ela repetia.
E eu dormia assanhado com as histórias
Que negra Alzira contava.
De nana-nenê que a cuca vem pegar,
bicho papão em cima do telhado e
saci-pererê.
Dormia sem querer dormir,
esperando pela disparada dos cavalos,
pra ver se saci aparecia.
Se ventasse, era só olhar pra ver.
Ver mesmo, não via: modo de dizer.
O que a gente cismava
eram as brasas do cahimbo,
fumegando por trás dos mamoneiros.
E adiantava contar?
Meu pai acreditava no que deixasse rastro.
E saci deixava?
Pulava numa perna só
e apagava com vassourinha do campo.
E a brasa do cachimbo?
Vaga-lume e pirilampo, a mãe dizia.
Alzira balançava a cabeça, dizendo não.
E pára aí, Paraíba!
O rio não parava, só esbarrava no mar.
Alzira foi pro mar?
São João da Barra! Assim contava meu pai,
ele conhecia o lugar.
De manhã, saci sumia.
E a diversão era João Paulino e Maria Angu.
Alegria então era grande. Demais da conta.
Oh, Deus salve a casa santa,
chegou o tempo do rei divino santo,
festa em toda a casa, folguedo pra todo o canto.
Rosinha mexia o doce e Sinhá, pirulito.
Dadá, rocambole, Zelinda, quindim.
Miquela, o mela-mela. E mané, capilé.
Roldão dão-da-ra-rão soltava rojão.
Seu Agnelo consertava chinelo.
Seu Galvão, caneca de latão.
Só um José nada fazia: brincava feito criança,
com tabuinhas de construção.
Zé Prequeté, tira bicho de pé,
pra tomar café...
A gente cantava e José olhava perdido
um mundo só dele conhecido.
Farinha de Suruí com pinga de Parati
é a conta de comer e cair.
Que fim levou a farinha?
Marica levava a farinha e trazia beiju.
E o parati tomava seu abreu.
Se ele não pagar, nem eu.
Pra onde foi Rosinha?
Desandou o doce ou desandou ela?
Pra onde levaram Sinhá piruliteira?
Acaso se acabou, espetada num palito?
Pára aí, Paraíba!
Se foram com o rio, talvez?
São João da Barra!
Assim contava meu pai,
ele conhecia o lugar.
Meu pai gostava de leite, detestava leitão.
E eu gostava de Rita.
Rita, Rita, Rita do nariz arrebita!
Quem não gostava era o pai dela:
-Homem com homem, mulher com mulher;
faca sem ponta, galinha sem pé!
Assim ele dizia e a Rita pra casa ia.
E do jeito que ela ia, tudo mais se foi.
Foram-se os peixes e as flores,
o cravo e a rosa,
as hortênsias e a malva cheirosa.
Foi o Zé Prequeté com seu bicho de pé.
Roldão dão-da-ra-rão,
dependurado num rojão;
e Mané Capilé, agarrado ao buscapé.
E o pai de Rita pra onde foi,
com sua faca sem ponta, sua galinha sem pé?
Pra onde foram Dadá, Zelinda e Marica?
Pára aí, Paraíba!
E ele parava? Só esbarrava no mar.
Pra onde foi o meu pai?
E minha mãe por onde anda?
São João da Barra?
O meu reino ia da serra a serra.
A da mantiqueira era verde,
a do mar era azul.
Mas, além das serras,
havia um mundo inteiro.
E eu nem imaginava.
Texto completo, retirado do livro
"Balada do Paraíba", Editora lê S/A, do autor Luiz Galdino.
Notas sobre o autor:
Luiz Galdino é paulista de Caçapava, Vale do Paraíba, a região que serviu de cenário para este texto maravilhoso. Luiz Galdino publicou mais de 50 títulos para jovens, adolescentes e crianças, obtendo com eles mais de 20 premiações no Brasil e exterior. Alguns desses livros venderam perto de l milhão de exemplares, demonstrando que o público endossou as escolhas da crítica. Entre os livros mais conhecidos nessa faixa de público, cita A Vida Secreta de Jonas, Pega Ladrão, O Fantasma que Falava Espanhol, O Destino de Perseu, O Brinquedo Misterioso, Moleque de Rua, Os Cavaleiros da Távola Redonda e Saudade da Vila.
Desses 50 títulos, 5 foram selecionados para o acervo permanente da Biblioteca da Juventude de Munique, Alemanha, que escolhe, todos os anos, as melhores obras para jovens publicadas em todo o mundo. E, entre esses 5 títulos destacados, um - Saruê Zambi - entrou também para um catálogo muito especial"As Melhores Histórias de Guerra e Paz de Todos os Tempos", daquela Biblioteca. Este é o único livro brasileiro da lista.
Quatro livros foram selecionados para exposição e acervo da Feira de Bologna, Itália. As histórias "Çarungaua" (infantil) e Gavião-Rei (adulto) foram traduzidas e publicadas no México e Estados Unidos.
E, ademais, a obra, de modo geral, vem sendo estudada e transformada em temas de teses uiversitárias na Holanda, Japão e Brasil, claro.
Taí uma boa dica para trabalhos escolares e contações de histórias para nossos alunos sanjoanenses! Lembrem-se também de trabalharem com o livro para o seguimento infantil do nosso escritor sanjoanense Carlos Sá, intitulado "As aventuras de Pombote"! É maravilhoso!
Abraços
Andre Pinto.
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