domingo, 17 de agosto de 2008

JARDIM BOTÂNICO DO RIO DE JANEIRO ESTUDOU A RESTINGA DE GRUSSAÍ-IQUIPARI E CONCLUIU QUE É GRANDE A RIQUEZA FLORÍSTICA DESTE TRECHO

A restinga do complexo lagunar Grussaí-Iquipari, no município de São João da Barra, maior fragmento deste ecossistema do extremo Norte Fluminense, é de grande riqueza florística ao longo de um pequeno trecho do litoral. Sua vegetação se distingue da de outras restingas dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. Apesar disso, a ação predatória do homem — deposição do lixo, extração de areia e extrativismo desordenado ao longo dos anos — tem contribuído para a degradação da região. Pensando formas de reverter a situação, a bióloga Maria Cristina Gaglianone, da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), desenvolveu, com apoio da FAPERJ, a pesquisa Abelhas e plantas melitófilas em áreas de restinga no norte fluminense. "O objetivo do meu trabalho é identificar os tipos de insetos polinizadores e as plantas da região às quais eles estão associados para que possamos elaborar mecanismos para a preservação ambiental do local, já bastante degradado. Torna-se urgente evitar a extinção deste ecossistema", afirma a pesquisadora.
O trabalho coordenado por Maria Cristina Gaglianone contou com a colaboração do pesquisador João Marcelo Braga, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, e de estudantes da Uenf. Foi realizado através de amostragens padronizadas voltadas para abelhas visitantes florais de todas as plantas em florescimento na região ao longo do ano de 2003 e de amostragens em plantas específicas nos anos de 2004 a 2006. "Além da Apis mellifera, introduzida no Brasil e em todo o mundo, e mais comumente conhecida como a abelha que produz mel, nossa pesquisa indicou a existência de 36 espécies de abelhas nativas, pertencentes a 21 gêneros diferentes, na restinga de Grussaí-Iquipari", explica. Segundo a pesquisadora, "esta constatação indica uma alta riqueza e diversidade quando comparada a outras áreas de restinga estudadas no Brasil".
Cristina explica que em algumas regiões fluminenses, como da Ilha Grande, existem programas voltados para a criação de abelhas nativas sociais, espécies da tribo Meliponini também conhecidas como abelhas sem ferrão, para produção de mel, como é o caso da jataí (Tetragonisca angustula). "Essas abelhas são consideradas importantes indicadores de boa qualidade ambiental, devido às suas necessidades específicas e sensibilidade à degradação do meio. Mas elas estiveram ausentes em todas as amostragens realizadas na restinga de Grussaí-Iquipari", preocupa-se.
As causas desta aparente extinção local podem ter origem principalmente na intensa retirada de madeira que ocorreu ao longo da história da região. Relatos de moradores indicam que antigamente elas eram abundantes no local. "Como seus ninhos são feitos em troncos de árvores e, em muitos casos, o diâmetro do tronco influencia em sua preferência, este provavelmente foi o principal motivo do sumiço destas espécies", diz Maria Cristina.
"Contaminação dos solos ameaça polinizadoras da acerola", adverte a pesquisadora
Dentre as espécies estudadas pela equipe de Cristina, as mais comumente encontradas foram Xylocopa ordinaria, popularmente conhecida como mamangava, principal inseto polinizador do maracujá-amarelo comercial; Centris caxiensis e Epicharis nigrita, ambas pertencentes à tribo Centridini. Além destas, outras seis espécies de Centridini são as principais polinizadoras de plantas produtoras de óleos florais, como a Byrsonima sericea, considerada como uma espécie de alto valor de cobertura vegetal na mata de restinga. "Em áreas agrícolas, estas abelhas são as responsáveis pela polinização da acerola, por exemplo, que atrai estes polinizadores por apresentar recursos de que as abelhas necessitam. Como a maioria destas espécies faz ninhos no solo, a destruição ou a contaminação do local pode afetar enormemente sua sobrevivência", adverte Maria Cristina.
Abelhas e plantas melitófilas em áreas de restinga no Norte Fluminense estudou ainda abelhas da tribo Euglossini, já que elas são um grupo chave em diversos ecossistemas, tanto por sua importância na polinização de espécies vegetais quanto como indicadores de qualidade ambiental. "Os machos têm necessidades específicas de odores florais, que servem como recursos para comportamentos de cópula; assim, com o objetivo de buscar estes recursos eles acabam carregando o pólen entre as flores", explica a pesquisadora. "Esta relação de polinização foi descrita inicialmente entre as abelhas Euglossini e orquídeas.
Por isso estes insetos são popularmente chamados de abelhas-de-orquídeas e facilmente identificados pelo brilho metálico presente em grande parte das espécies", diz. Da tribo Euglossini, a bióloga lembra que a pesquisa registrou as espécies Eulaema nigrita e Euglossa cordata, comuns em áreas abertas e urbanas, além de Eufriesea surinamensis e Eufriesea smaragdina, encontradas em menor número.
Segundo Maria Cristina, as espécies de Euglossini são importantes polinizadores de certas plantas da restinga, como algumas das famílias Bignoniaceae, Apocynaceae e Clusiaceae. "Em Clusia hilariana, as abelhas fêmeas coletam resinas florais que são utilizadas na construção de seus ninhos", explica. Outro grupo importante de abelhas são as Augochlorini, de tamanho entre pequeno a médio, tonalidade verde metálica, e também bastante comuns na restinga. "Elas visitam vários tipos de flores em busca de néctar e pólen e são potenciais polinizadoras de plantas diversas, como a aroeira-vermelha (Schinus terebinthifolius) e a palmeirinha-da-praia (Allagoptera arenaria)", explica.
A pesquisadora fala também sobre o caso particular da Apis mellifera, que apresenta um comportamento distinto das outras 36 espécies estudadas em seu trabalho — que, em sua maioria, não vivem em colônias e não produzem mel. "Elas podem atuar como polinizadores em ecossistemas naturais e agrícolas e atualmente são utilizadas em criações racionais voltadas especificamente para a polinização de culturas. Entretanto, não são eficientes para a polinização de muitas plantas nativas e podem atuar no sentido contrário, competindo com os polinizadores efetivos ou ainda impedindo a polinização. O caso mais notável é o do maracujá-amarelo, em que elas agem como verdadeiras pragas, não deixando pólen para a polinização feita pelas mamangavas. Deste modo, a planta não frutifica", explica Maria Cristina.
Como resultado de seu trabalho, a pesquisadora conclui que apesar de Grussaí-Iquipari ainda manter uma importante diversidade de abelhas, responsáveis pela polinização de espécies nativas e agrícolas, há necessidade de esforços cada vez maiores para preservar a região, que se constitui na última área de restinga do extremo norte fluminense. "A preservação dos polinizadores deve ser motivo de atenção, devido a seu papel ecológico fundamental", conclui. Foto: Orquídeas na região Norte Fluminense: E. surinamensis (esq.) e X. frontalis coletam pólen numa Canavalia rosea e numa Leguminosae
Por: Vinícius Zepeda/Faperj Fonte : http://www.revistafatorbrasil.com.br/ 05/04/07