sábado, 9 de agosto de 2008

A OPINIÃO DE SOFFIATI SOBRE O PORTO DO AÇU

Por enquanto, Açu A revolução industrial criou uma legião de psicopatas homicidas completamente soltos. Trata-se de uma imagem para designar as empresas, que tinham toda a liberdade para destruir o ambiente e explorar os trabalhadores. Os estragos desses psicopatas foram tão assustadores que os governos criaram leis para contê-los. A legislação construiu manicômios e fabricou sedativos para encerrar os psicopatas e sedá-los, mas não se preocupou em curá-los. Assim, esses psicopatas continuaram potencialmente homicidas. O sistema instituído para controlá-los corre sempre o risco de falhar, permitindo que os psicopatas fujam e voltem efetivamente a assassinar. Temos, então dois tipos de psicopatas: os soltos e os presos. Precisamos de pessoas sadias. Insisto: continuo a usar metáforas. Ao assistir à pré-audiência relativa à usina termelétrica a carvão que o grupo EBX pretende instalar na área do Açu, senti a estranha sensação de estar frente a frente com Hannibal Lecter. Lecter é o homicida frio, calculista e inteligente do filme “O silêncio dos inocentes”. Tive a impressão de existir um certo constrangimento por parte dos consultores que formularam os Estudos Prévios de Impacto Ambiental para a termelétrica. É certo que eles só concebem a existência de dois psicopatas: o solto – que repelem – e o preso e sedado – que consideram ideal. Talvez não lhe ocorra a possibilidade do não-psicopata. Ao levantar algumas questões sobre o empreendimento, parecia que, a todo momento, o psicopata sedado poderia escapar do manicômio. Nenhuma das respostas sobre o psicopata sedado me convenceu. Perguntei qual o limite para empreendimentos na área. Até agora, três são certos: o mineroduto, o porto e a termelétrica. Mas Eike Batista, o presidente do grupo EBX, anuncia uma siderúrgica, uma fábrica de painéis para energia solar e agora uma montadora indiana de automóveis populares. Quantas mais virão com ou sem convite do mega-empresário? Qual o limite de suporte da área? Será que chegará o momento de a FEEMA dar um basta? A meu ver, há muito tempo, está claro que as empresas formuladoras de estudos de impacto ambiental padecem de várias deficiências. A primeira delas é tornar palatável uma comida intragável. Aplicando tempero saboroso, tentam elas nos convencer de que o prato é salutar. Não sei de empresa de consultoria que tenha rejeitado contratos para fornecer atestados de sanidade ou de inocuidade a loucos homicidas. Além disso, como operam em vários e distintos locais, não lhes é possível um conhecimento vivenciado de cada área em que atuam. No caso do complexo, várias empresas e organizações não-governamentais estão sendo envolvidas para elaborar estudos de impacto ambiental e para atuar na área sócio-ambiental. Perguntei se há integração desses estudos de origens diferentes. Responderam-me afirmativamente no que tange aos pontos em que tais estudos se superpõem, mas não com firmeza a ponto de convencer este macaco velho que lhes escreve. Indaguei também como controlar a migração humana atraída pela ilusão de empregos. As empresas do grupo EBX estão bancando cursos de capacitação para os moradores da área, mas deixando muito claro que não lhes garantem emprego. Na fase de implantação dos empreendimentos, é de se esperar que o desemprego diminua na região, mas que se eleve a níveis superiores aos atuais com a vinda de pessoas à procura de emprego. Não conseguindo postos de trabalho, essas pessoas não partem, na expectativa de um dia encontrarem uma vaguinha. Responderam-me que esta questão compete ao poder público e à cidadania de todos. Ora, ora. Não se pode colocar uma cerca eletrificada nos limites municipais para impedir o direito constitucional de ir e vir. Com todo o aparato de segurança, os Estados Unidos não conseguem controlar a entrada de imigrantes. São João da Barra conseguirá? Esperemos, então, favelas, pobreza e marginalidade. Pela legislação vigente, cada empreendimento deve contribuir com, no mínimo, 0,5% dos custos totais previstos para sua implantação, na criação e manutenção de uma unidade de conservação de proteção integral. Como, até agora, são três empreendimentos, perguntei se três unidades de conservação serão criadas. Resposta: depende da FEEMA. A experiência mostra que a posição oficial da FEEMA se assemelha muito aos interesses econômicos das empresas. Para encerrar, por hoje, o levantamento da ecodiversidade e da biodiversidade deixa muito a desejar. A ênfase do estudo recai sobre as lagoas de Gruçaí e Iquipari, chegando até a lagoa do Taí. Foi preciso encarecer muito a importância das lagoas do Açu, Salgada e do Veiga, sem contar com remanescentes da lagoa do Mulaco. Quanto à biodiversidade, a bem dizer, só os vertebrados, talvez por serem parentes mais próximos a nós, mereceram atenção. Por que não a microvida, os fungos, as plantas e os invertebrados? São eles que fazem a Terra funcionar. Um biorrastreamento é de suma importância, e a FEEMA deve exigi-lo do empreendedor. De Gruçaí a Furado No trecho da costa norte do Estado do Rio que se estende da Lagoa de Gruçaí à foz do Canal da Flecha, vários empreendimentos de grande porte e causadores de impactos ambientais e sociais serão instalados. Continuo, aqui, a fazer meus comentários sobre eles. 1- Sabotagem do planejamento. Em atenção ao Estatuto da Cidade, municípios com mais de 20 mil habitantes fizeram e ainda fazem seus planos diretores, agora com a participação dos vários segmentos da sociedade. Para a formulação de todos eles, foram realizadas audiências públicas. No entanto, ao serem encaminhados aos poderes executivo e legislativo, pelo menos os de Campos e de São João da Barra, sofreram sabotagem com mudanças que desrespeitam a opinião popular. Agora, em virtude do mineroduto Minas-Rio, do porto e da usina termelétrica a carvão, em São João da Barra; do aeroporto da Petrobrás, em Campos; e do estaleiro em Quissamã, os planos diretores sofrem nova sabotagem. Por razões meramente econômicas, três grupos empresariais escolhem áreas do seu interesse, alegando hipocritamente motivos de ordem social e ambiental, e acabam contando com a aprovação dos poderes estadual, municipais e da população. É como faz o vampiro: chupa o sangue sem provocar dor, mas pode transmitir raiva. Lutando contra a corrente, só posso sugerir medidas mitigadoras para os impactos. 2- Um novo planejamento. Ingenuidade pensar que os impactos ambientais e sociais de cada empreendimento limitar-se-ão aos seus entornos. As preocupações levantadas em reunião realizada na UFF/Campos, que planejará a montagem de uma estrutura para diminuir os impactos sociais em Barra do Furado, convenceram-me de que este planejamento deve, necessariamente, envolver os municípios de São João da Barra, Campos e Quissamã. Um Plano Diretor Participativo para toda a área dos empreendimentos torna-se imperioso. Os municípios devem abrir mão do bairrismo em nome da região. 3- Perímetro de amortecimento de impactos. Embora contrário a tais empreendimentos, retomei a proposta de cercá-los com uma linha para diminuir os impactos sócio-ambientais. Houve quem pensasse que esta proposta previa apenas uma Área de Proteção Ambiental, unidade de conservação muito fraca. Como a flexibilidade é fundamental neste momento, entendo que a área de amortecimento deve ser ampliada. A linha em vermelho no mapa mostra a dimensão. 4- Ecossistemas a serem protegidos na forma de preservação. Dentro do perímetro, há ecossistemas importantíssimos que devem ser protegidos integralmente ou serem restaurados para esta proteção. Há quatro estirões de praia, com suas águas marinhas, que devem merecer este tipo de proteção: a de Iquipari, a do Farolzinho, a da Boa Vista e a de Barra do Furado. Entre as lagoas, registrem-se as de Gruçaí (parcialmente), de Iquipari, do Veiga, do Taí, do Açu (da barra até Maria Rosa), Salgada, do Mulaco, do Caboio e do Lagamar. Sejam também acrescentadas parte do Banhado da Boa Vista e a totalidade do Canal da Flecha. Os manguezais do Açu, da Carapeba, de Barra do Furado e do Espinho não podem ser feridos, mas curados. Assim também dois importantes fragmentos de vegetação nativa de restinga. 5- Mitigação dos impactos sociais. Para proteger estes ecossistemas e as localidades do Açu, do Farol e de Barra do Furado, as pessoas atraídas pelos empreendimentos devem ser alocadas fora da linha de amortecimento, que terá mais força se delimitar uma Área de Proteção Ambiental do Estado. O mesmo se pode estabelecer para novos empreendimentos que futuramente queiram se instalar na região. Hoje, fiquemos apenas com o mapa. * Aristides Soffiat Folha da Manhã – Complexus