domingo, 7 de março de 2010

ÁGUAS DE MARÇO - ACONTECEU CONOSCO

Foto: Messias, da Defesa Civil Municipal de São João da Barra, participou da Iª Conferência Estadual de Defesa Civil e Ações Humanitárias , no Rio de Janeiro e tem muitas histórias para contar sobre as enchentes na Avenida Brasil, ocorridas neste sábado 06/03/10.
Histórias e reportagens sobre enchentes no Rio de Janeiro, todos nós estamos acostumados a acompanhar nos jornais televisivos, isso é fato. O que foi diferente desta vez é que fui protagonista e vítima de uma história atípica, junto com outros colegas sanjoanenses, de uma das mais furiosas chuvas de verão ocorridas na cidade maravilhosa, ontem à tarde, que perdurou a noite inteira.
O começo desta história se deu com a minha ida e de meus companheiros Messias (Da Defesa Civil) e Áureo Simões (Da Ong Cocidama) ao Rio de Janeiro para participarmos da Iª Conferência Estadual De Defesa Civil e Ações Humanitárias, que ocorreu em Guadalupe na Academia de Bombeiros D. Pedro II, neste sábado 06/03/10 durante todo o dia. Ao término do evento, lá pelas 18h e 30 mim, saimos do auditório do evento e nos deparamos com um cenário catastrófico e assustador que pairava no céu da zona metropolitana do Rio de Janeiro. Chuva forte, com gotas bastantes expressivas e que caíam do céu feito lanças medievais, vendavais em todas as direções, clarões e raios cinematográficos, corre-corre em várias direções, buzinaços estridentes, carros em contra-mão, recolhimentos de tendas, lonas, barracas de campanha, enfim, parecia o prenúncio do fim do mundo! Eu indagava aos colegas: "Pô , se for para eu morrer num cenário apocalíptico, por que eu não poderia estar num corcovado, num pão-de-açúcar, no maracanã vendo meu flamengo golear um tricolor qualquer , até mesmo numa das praias mais belas do mundo que é Ipanema ou no circuito gastronômico de Botafogo saboreando um frango à moda Rui Barbosa e um bom chopp gelado?" . Indagávamos um com outro, após um gostoso café oferecido pelo Comando Geral do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio, de como tomaríamos rumo para a nossa cidade natal - a formosa e encantadora Vila de São João da Praya (São João da Barra para quem não conhece, tá certo?) Tomamos coragem e mais um gole de café dos destemidos bombeiros e entramos para o valente Volkswagem gol, que já serviu (e serve) tão bravamente aos propósitos da fiscalização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de São João da Barra em diversos momentos, inclusive , nas enchentes em São João da Barra. Tomamos a Rodovia BR 040, na altura de Anchieta e ao cruzarmos a passagem por debaixo do viaduto para seguirmos em direção ao centro do Rio, vem a primeira surpresa da noite: Um muro de contenção de um dos condomínios que beira a rodovia, com altura de cinco metros aproximadamente, havia caído por inteiro e estava estirado numa distância de uns 30 metros avançando em parte da pista! Tinha mais: uma cachoeira havia se formado no local e as suas águas vinham descendo a rua em que estávamos, trazendo com ela bananeiras adultas, algumas até com as pencas penduradas! Um verdadeiro cenário de filme do tipo "2012", "The Day After", etc. O PRIMEIRO DESAFIO Messias, um grande motorista e também barqueiro da Defesa Civil Municipal de São João da Barra, misturando estas duas habilidades, fez do nosso Volkswagem o nosso carro anfíbio e no aclive, ao dar pé no acelerador ao torque de uma máquina de Ferrari, de Maclaren ou de outra escuderia de Fórmula 1 na linha de partida, conseguiu dominar as corredeiras que desciam ferozmente a avenida - carreando com ela pedras, galhos, folhas de árvores e bananeiras inteiras - e chegar à BR 040 novamente! Infelizmente outros carros de passeio ficaram para trás... talvez ,na madrugada, submersos pela falta de coragem e astúcia que teve o nosso Messias! Daquele ponto em diante, passamos a acreditar que atravessar a BR 040 e a Avenida Brasil seria uma das tarefas mais estressantes que teríamos que fazer, afinal, estávamos com sede, sono, fome e acima de tudo com saudades de nossas famílias que nos aguardavam no conforto de nossas casas. Fomos em frente! O SEGUNDO DESAFIO Já não só pensávamos nos desafios das enchentes da região metropolitana do Rio de Janeiro. Começamos a fazer um debate dentro do carro sobre os aspectos da violência urbana que assolam o Rio e lembramos que em alguns momentos, bandidos se aproveitavam dos engarrafamentos causados pelas chuvas para se fazerem verdadeiros "arrastões" aos pobres motoristas e passageiros que estariam em situação de emergência. Tantos outros jogaram pedras de passarelas nos vidros dos carros. E ao vermos aqueles rapazes vendendo as famosas "Rosquinhas de Polvilho Globo" sempre imaginávamos que ali por debaixo poderia aparecer uma PT 380, um AK 47, uma Glock ou até mesmo um 38 com cano serrado e numeração raspada. Não era preconceito, era medo mesmo! Seguindo em frente, na BR 040, notávamos que o trânsito aumentava consideravelmente. As faixas da pista iam ficando pequenas. Os carros, quase que trocavam cumprimentos através de seus espelhos retrovisores. A chuva aumentava insistentemente. O nosso ar condicionado estava de férias e optamos por ligar o ventilador e abrirmos um pouco as janelas para o vidro dianteiro não embassar. Nossos ombros iam ficando molhados pelos respingos da forte chuva, mas não tinha outro jeito, não. Naquele sufoco todo, vi um adesivo muito legal num vidro traseiro de um carro importado que dizia assim: "Gentileza gera gentileza". Lembrei daquele "profeta", o Gentileza, que morava debaixo dos viadutos do Rio de Janeiro e que tinha este slogan. Só que a motorista deste carro, além de dar baforadas de cigarro nos carros vizinhos, adorava furar a fila dos outros e também seguia as ambulâncias que abriam caminhos pela rodovia. Algo estava errado com o slogan ou com ela? Passamos por entre uma pick-up preta que tentava cortar caminho para uma das pistas secundárias e que acabou enterrando a sua parte traseira em um enorme buraco do canteiro lateral e não conseguiu sair mais de lá. Pobre família que estava na pick-up, pois foi todo mundo para chuva tentar empurrar o bichano movido à diesel. Não deu certo. Passamos daquele ponto e prosseguimos no fluxo psicodélico das placas de sinalização, giroscópios, sirenes de polícias e ambulâncias, luzes de freios, faróis, cigarros acesos postos para fora de janelas automotivas. Nossos pulmões - acostumados com o puro vento nordeste das praias sanjoianenses - coitados!, respiravam o mais puro dos gases de dióxido e monoxido de carbono, que em sinfonia dos roncos dos motores, vinham penetrar em nossas narinas , olhos, boca, cabelos e roupas como se fossem parasitas do mundo animal. Um inferno! Não entendíamos o por que de andarmos com o carro a distância de cinco metros a cada cinco minutos! Logo veio a resposta do segundo desafio: Na altura de Irajá havia se formado um enorme "bolsão d`água" e não tinha melhor acesso, nem de um lado , nem de outro e nem do meio da pista. Não podíamos dar a volta e retornar, pois a BR 040 estava totalmente tomada por veículos pesados e de motoristas de feições nada sensíveis. Vai mexer com caminhoneiro pra você ver!? Para piorar, era a hora do "rush" também. Messias ao se deparar com aquele rio de mais de 1,5 km de distância que tomava toda a avenida, só teve tempo de olhar para mim e Aurinho e dizer: "Não temos outra saída, vamos no fluxo!". Se o fluxo fosse o de automóveis, até aí estaria tudo bem, mas o fluxo ao qual Messias se referia era a marolada das ondas que os caminhões provocavam ao atravessarem a avenida tomada pelas águas. Engatou a primeira, esperou vir o empurrãozinho de uma das ondas e foi adiante naquele percurso pra lá de radical! Eu tentava desembassar o vidro dianteiro, Aurinho observava as placas de sinalização, Messias mantinha as vistas na pista (que pista?) e conservava o carro no giro alto. Começamos a ver alguns obstáculos no meio daquele imenso rio -rodovia e tratavam-se de carros de passeio que não aguentaram a boa briga com as águas pluviais e ficaram à deriva, alguns com seus proprietários dentro e outros sem uma viva alma. Passados estes obstáculos, começamos a ver numa distância de uns 400 metros a terra firme, ou pelo menos um pedaço dela. Ficamos mais "tranquilos". O TERCEIRO DESAFIO Estávamos confiante com o desempenho do carrinho/barco e também do motorista/barqueiro Messias! Começamos a ver que o fluxo, já na Avenida Brasil estava quase que normal. De repente, o tráfego começa a parar, parar, parar e enfim, tornamos estáticos e prisioneiros mais uma vez de nossas próprias invenções. Lá estávamos nós, tomando fortes chuvas, transpirando e aspirando excessivamente as impurezas da cidade grande e acima de tudo preocupados com a nossa segurança, tanto por causa das águas como por causa da famigerada violência urbana. Surge então o terceiro desafio. Depois de uma espera de mais de 50 minutos, sem quase sair do lugar, pois acredito que tenhamos andado uns cem metros somente, desde a primeira parada, nos deparamos com um novo "Bolsão d`água" e acreditávamos que este seria moleza de atravessar, pois tinha uns 500 metros de distância. Ledo engano! Era lá que morava o perigo!!! Considerado uns dos pontos mais problemáticos da Av. Brasil, em outras gestões e também na gestão do então Prefeito do Rio, Eduardo Paes, este e outros "bolsões" são agora a sua "pedra no sapato" por causa das olimíadas do Rio de 2016 que vem por aí, assim dizem os políticos. Não pensamos duas vezes! Vimos uma van passando bravamente pelas águas e decidimos: "dá pra gente!" Começamos a acelerar forte, como nos outros casos, e, vimos que a frente do nosso carro ia tomando cada vez mais água e a velocidade era suprimida por uma leve flutuação de veículo. Ficamos temerosos. Oras, a van era um carro mais alto que o nosso e agora? Eu olhava para as duas margens da Avenida Brasil e via uma multidão se protegendo das chuvas por entre as marquises dos postos de gasolina e de outros empreendimentos. Parecia que estávamos numa arena como cristãos novos a serem devorados por leões jubados e o povo a nos assistir. Em momento algum o nosso gol titubeou! Eu já imaginava, sem explicitar aos colegas, que talvez a nossa noite fosse ser repleta de telefonemas para reboques e casas de parentes para vir nos dar socorro naquela situação. Felizmente tudo deu certo! Conseguimos passar pelo terceiro desafio de forma valente, mesmo sobre o forte temporal que caía no mesmo momento em que atravessávamos aquele rio urbano, cheio de focos de tifo, leptospirose e outras doenças mais. O interior do carro ficou milagrosamente exuto e longe de tudo que ocorria lá fora! Em tempo - o nosso anjo da guarda: O Nosso amigo Felício Valiengo (Coordenador da Defesa Civil Municipal de São João da Barra), que também estava na reunião em Guadalupe, havia saído um pouco antes de nós em seu carro próprio e nos ajudou muito, ao nos dar muitas coordenadas quanto ao trânsito no Rio e na BR 101, bem como as fortes chuvas que caíam, pois estávamos sem rádio no carro. suas ligações telefônicas nos mantinham em estado de alerta. ESPERA , QUE AINDA NÃO TERMINOU... Ao tomarmos rumo à Ponte Rio-Niterói, achávamos que havíamos deixado para trás todos os nossos desafios. De certa forma sim, se não fosse a maneira com que desabava água em cima da gente! Mais cansados do que nunca, resolvemos (eu e Aurinho) fazermos uma espécie de escala de sentinela para que o Messias tivesse o nosso auxílio para não dormir ao volante e o combinado foi que ninguém durmisse no carro até chegarmos em São João da Barra. Talvez esta tenha sido a mais difícil das nossas tarefas para aquele dia tenebroso. Conversávamos já de olhos fechados. Um assobiava músicas sem nexo. Felício Valiengo, lá do outro carro que estava à algumas horas à nossa frente, sempre nos ligava e essa atitude nos mantinha em situação de atenção. Para se ter uma ideia, pegamos temporais seguidos desde Guadalupe até a segunda entrada de Macaé, na BR 101. A visibilidade na BR 101 era mínima. Caminhões abusavam de seus faróis altos que vinham ao nosso encontro com vários feixos de luzes, agredindo as nossas retinas e nos cegando temporariamente. Paramos algumas vezes em postos de gasolina, em Manilha, no Oasis, na Serrinha, em Campos e nossa última parada foi em Barcelos para abastecer, já sem chuva e com a pista totalmente seca. "Rapidamente" eu já estava em meu portão em S. J. da Barra e por volta das 4 h e 30 min deste domingo, mais uma vez, vi o quanto é bom chegar em casa com amigos de trabalho sãos e salvos e receber aquele abraço apertado de quem a gente ama de verdade! Obrigado Deus, Obrigado Messias e Aurinho, Obrigado Felício Valiengo, Por dividirmos mais este história de superação e confiança em DEUS e no próximo! Foi sem dúvidas um trabalho de equipe chegarmos vivos em nossos lares! * Por Andre Pinto VEJA AQUI COMO FOI A NOITE DO TEMPORAL NO RIO DE JANEIRO

Um comentário:

Unknown disse...

Texto necessário para reflexão de como será o futuro das grandes metrópoles e de como podemos evitar para que a querida São João da Barra não chegue a este ponto...