segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

MAIS HISTÓRIAS DO DELTA - PELO SAUDOSO JAIR RAPOSO

O MANGUE DO DELTA
Quando em 1630 alguns pescadores chefiados por Lourenço do Espírito Santo, entraram no delta do nosso rio para fazer reconhecimento da região, ficaram deslumbrados com a variedade e fartura de peixes que encontraram. Resolveram construir cabanas ao longo da beira rio e alí permanecerem em caráter definitivo, para poderem desfrutar da tranquilidade e segurança que a foz do rio oferecia com generosidade.
Gargaú não existia. O que havia era uma mata densa e assustadora, ao lado esquerdo na foz e chamavam de mangue. O que escondia Gargaú era então um grande manguezal, dividido em duas partes. Uma era muita extensa, ia da Ilha da Convivência até a Praia do Sossego em Itabapoana. A outra, que se posicionava em paralelo com esse manguezal, caminhava desde Guaxindiba até Itabapoana.Havia, portanto, dois manguezais impenetráveis e ameaçadores, por causa da densidade de mata fechada e cheia de mistérios.
Ninguém ousava entrar alí. Sua povoação era composta de jacarés, capivaras, cobras, preás, tamanduás, preguiças, garças brancas grandes e pequenas, frangos d`água, fraganitos, socós, marrecas, irerês, quero-queros, caranguejos, guaiamuns, muiás, urubús, anuns, gambás. Muita pesca e uma imensa variedade de pássaros, que proliferavam continuamente sem a interferência de predadores.
A Foz do caudaloso rio Paraíba do Sul, que nascia na Serra da Bocaina em São Paulo e vinha lançar-se ao mar em Atafona por um delta de 28 braços, era o berço de uma imensa riqueza em peixes como: mussum, sairú, carapeba, piaba, piabanha, mandiba, traíra, duiá, crumatám, morobá, cará, caximbau, bagre, tainha, piau, robalo, camarão, lagosta e sapateira. Tudo ia muito bem. Os pescadores viviam bem, mas... se sentiam fascinados pelo misterioso manguezal. Olhavam, observavam, admiravam. todavia, mesmo convivendo com a fartura de animais, peixes, crustáceos, e pássaros acomodados ao seu meio ambiente, resolveram logo arriscar e iniciar pequenas incursões em suas canoas pela mata a dentro, buscando desbravar e conquistar o temível manguezal.
Persistiram e foram aos poucos pelos pequenos canais que abriram, estreitos, tortuosos, avançando para dentro da mata, com audácia e valentia, até conseguirem desfazer o mistério que representava o manguezal impenetrável, escuro, temerário, ora silencioso, ora assustador, barulhento. Eram poucos os que inicialmente entravam lá e alguns não voltavam. Custaram a aprender como conviver junto a um ambiente hostil, sem luz, repleto de riscos e perigos iminentes.
Os predadores eram em geral pescadores rudes e ignorantes. Não tinham uma idéia exata do que era depredar, destruir, desvalorizar. Queriam lucro imediato. Não examinavam o espetáculo, o fenômeno, seu valor científico, a sua futura utilidade e a necessidade da sua preservação. Os cientistas que aqui estiveram, não se detiveram em pesquisas e observação mais minuciosa do solo tão diferente.
O mangue é um solo desligado, lamacento, cinza escuro, mole, que não se solidificou e guarda características da era terciária. Sujeito ao movimento das marés. Constitui área justamarítima, possuída de árvores de raízes-escoras que ali vegetam. Existem várias espécies de árvore-mangue, sendo que o mangue vermelho exibe uma casca grossa rica em tanino, substância adstringente de grande utilidade, usada como corante e no curtimento de couros. É no mangue que se extrai o mourão de vara longa, que cresce erecta e serve para cerca, estaca, caibro, esteio, varia na extensão e na espessura. É capaz de atingir até 10 metros de altura. Por ser impenetrável e espesso, o manguezal sempre protegeu todas as espécies que alí proliferavam de forma abundante.
Todos os dias pela manhã a passarada embelezava o nosso céu, cobrindo o sol e sonorizando o espaço com o gorgear dos sabiás, melros, bem-te-vis, guachos, coleros, papa-capins, cabloquinhos, bicos-de-lacre, fin-fins, sanhaçus, andorinhas, periquitos, anuns, gaturamos e joãos-de-barro, que voavam em bandos e pela manhã se espalhavam pelas fazendas, sítios, chácaras e quintais, em busca de árvores frutíferas para alimentarem-se, oferecendo um colorido encantador aos nossos olhos e ouvidos.
A população de caranguejos graúdos era um exagêro, a tal ponto que nos tornamos os maiores exportadores desses crustáceos. O caranguejo chegou a fazer parte do nosso cardápio diário e nós passamos a ser chamados de caranguejeiros. Foi a procura e o consumo do caranguejo, que mais atraiu a cobiça dos predadores, visando lucros. O predador abria o canal de entrada sempre na vazante da maré. Aproveitava para tirar lenha e ia desmatando as árvores secas caídas pelo chão. Quando a maré crescia, todo o canal se tornava navegável por meio de embarcações pequenas e estreitas. O predador que entrava no manguezal era considerado um homem valente, audacioso, corajoso, pois só ele sabia que corria o risco de não voltar.
O caranguejo é um crustáceo decápode, braquiúro, com 10 pernas terminadas em unhas ponteagudas, 5 de cada lado e são chamadas de puãs. "VIVE ENTERRADO NA LAMA, EM TOCAS QUE ELE MESMO CONSTRÓI, COM UMA PROFUNDIDADE DE ATÉ 0,90 CM. SEU ALIMENTO É TODA A VARIEDADE DE DETRITOS ORGÂNICOS. O INTERESSANTE É QUE A PUAN DE CADA LADO É MAIOR E MAIS FORTE DO QUE AS OUTRAS OITO".Funcionam como se fossem dois ganchos ou um alicate. Chegam a medir trinta centímetros de extensão, enquanto as outras oito apenas ajudam na locomoção do caranguejo, para a frente e para traz, o caranguejo é alimentício e saboroso. É claro, ócre.
O guaiamum ou guaiamú é igual ao caranguejo, mas difere do tamanho. Tem cor azulada cresce muito, pertence a mesma família dos gicarcinídeos e tem mais valor no mercado de consumo. As duas puans maiores alcançam 0,90 cm de extensão, são mais carnudas e a toca onde vivem atinge até 2,00 m de profundidade. O guaiamum é doméstico e pode ser criado em casa, no quintal, com restos de comida.A extração do caranguejo ou do guaiamun é feita introduzindo-se o braço na toca. Requer uma técnica muito especial, porque ele pode morder a mão do extrator e lesionar seriamente a articulação da mão e dos dedos.
O momento de pegar o caranguejo ou guaiamun no buraco é muito delicado e exige bom tato e decisão. Extrair caranguejo, guaiamun e mourões, tornou-se uma especialidade e caracterizava o predador profissional que só vivia dessa atividade rendosa, mas muito arriscada, quer de dia e quer de noite. Os lucros decorrentes do êxito obtido nessa profissão, motivarem muitos pescadores a se tornarem predadores do nosso manguezal, estimulando a abertura de mais e mais canaisinhos.
HISTÓRIAS PAVOROSAS
Ficou no esquecimento as pavorosas histórias iniciais de jacarés descomunais que comiam as pessoas; de dragões que se erguiam no meio da floresta escura e lançavam labaredas de fogo quaimando tudo; de cobras gigantes que se enroscavam nas embarcações e sumiam com os predadores; de canoas que viraram nãose sabe como e os predadores desapareciam em meio a gemidos lancinantes; de pequenos botes que entraram mas nunca saíram do manguezal; de dois jesuítas que erraram o canal, foram comidos por um dragão e o ouro que levavam não foi encontrado; de vozes que gemiam e pediam socorro até morrer, sem que nada se pudesse fazer por causa da escuridão.; de guaiamnus assassinos que degolavam os predadores num ataque de surpresa.
A HISTÓRIA DE ERNESTO E BELISÁRIO...
Conta-se inclusive o caso de Ernesto e Belisário, pescadores e predadores, conhecidos e estimados por todos, mas que gostavam muito de uma boa cachaça. Exageravam. Viviam bêbados, trocando pernas, falavam com a língua presa, enrolada, piscavam muito os olhos. Eram inofensivos e bem humorados. Certa vez saíram para pescar e depois ir ao mangue apanhar caranguejos. O vento nordeste estava forte, muito forte e a canoa desenvolvia excelente velocidade. Fazia até espuma na proa. Tudo parecia ir bem, mas a brisa aumentou, adernando a canoa por causa das marolas da maré. Ela tombou para bombordo. As velas enfunadas sentiram a força do vento, Ernesto notou que a situação já era perigo iminente. Belisário se segurava como podia. Gritou Ernesto agarrado ao leme: - Bily eu vou é me largar. Não aguento mais... vou me largar...Lá da proa, nervoso e aflito, bastante assustado, com voz embargada, alcoólica mas energética, Ernesto Gritou "cabrunco", não se largue...enfrente o perigo... isso vai passar... creia na potência e na iminência de DEUS.Já era tarde demais. Foi tudo muito rápido...e os dois naufragaram... lamentavelmente, já na entrada do mangue, onde iam buscar uns caranguejos.
A ABERTURA DO CANAL ILHA DO LIMA - MURITIBA
Com o passar do tempo, de tanto se infiltrarem pelos canais do manguezal, atingiram a outra extremidade já com solo duro e alí fundaram uma pequena e hospitaleira vila, que chamaram de Gargaú - "BARRIGUDINHO". E começaram a povoar o "Barrigudinho". Por volta de 1807 o Governo mandou construir um canal de passagem larga e sem perigos, entre a Ilha do Lima e a Muritiba, que embora fosse sinuoso, passou a ser o canal regular de comunicação entre São joão da Barra e Gargaú, bem ao lado do manguezal, com os seus canais estreitos e cheios de mistério insondável... mas fascinante, provocador, tentador.
* Jair Raposo, falecido a pouco tempo, era notável intelectual, proprietário de uma pousada no centro de São João da Barra, era professor de Educação Física entre outras atividades, entre elas a de escrever várias crônicas sobre o município de São João da Barra.

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