quinta-feira, 24 de junho de 2010

EXCLUSÕES, INDÍCIOS DE SUBORNO, AUSÊNCIA DE PRESIDENTE, REUNIÃO À PORTAS FECHADAS E ALTAS COBRANÇAS DE ENTRADAS MARCAM INSUCESSO DE REUNIÃO DO IWC

Foto: Uma baleia e seu filhote em um mar ainda tranquilo... Comissão Internacional de Baleeiros - Agadir, Marrocos, junho de 2010. *Márcia Engel, presidente do Instituto Baleia Jubarte
Aqui na cidade de Agadir no Marrocos, na 62ª reunião anual da Comissão Baleeira Internacional (CIB), o clima é de grande incerteza e desconfiança. A ‘proposta de consenso’ do presidente da CIB, o chileno Cristián Maquieira, se aprovada, significará um retrocesso histórico nestes 24 anos de vigência da moratória internacional de caça de baleias. Alguns pontos são inaceitáveis para a conservação das baleias, como a continuidade da caça no oceano austral e as elevadas quotas de captura de baleias. Na segunda-feira (21), primeiro dia das sessões plenárias e durante a abertura da reunião, o vice-presidente da CIB, Anthony Liverpool, anunciou que a tarde deste mesmo dia e toda a terça-feira (22), iriam ser destinados às discussões da ‘proposta de consenso’ em reunião fechada dos representantes de governo, sem a participação da sociedade civil. A participação das ONGs nas reuniões preparatórias foi provavelmente bastante ‘desconfortável’ para os defensores da proposta pelas duras críticas ao favorecimento das atividades baleeiras em seu conteúdo e, mais recentemente, pelo apoio à apuração das denúncias de compra de votos pelo Japão. Alegando a necessidade de mais tempo para formatação de uma proposta ‘palatável’, Liverpool está conduzindo esta reunião a portas fechadas, o que é um duro golpe principalmente para as organizações de países pobres e/ou em desenvolvimento, que pagam quantias elevadas para enviar representantes para a reunião. Somente a taxa de participação por entidade custa o equivalente a 750 libras esterlinas, além da passagem aérea e dos gastos com hospedagem e alimentação. É um desrespeito sermos informados, durante a abertura da reunião, de que a sociedade civil será excluída das discussões sobre o futuro da CIB nos dois primeiros dias de reunião. Falta de Transparência A falta de transparência tem marcado este processo. Após formada a composição do Grupo de Trabalho (Small Working Group), do qual deveriam fazem parte equitativamente países baleeiros, alegadamente “neutros” e conservacionistas, o chair unilateralmente convidou a Noruega (baleeira) para compor o grupo, provavelmente considerando que estaria “desbalanceado” para o lado pró-conservação. Outro absurdo foi o convite feito para a chefe da delegação dos EUA, que também defende a aprovação do pacote, para a reunião do bloco latino-americano (do qual os EUA obviamente não fazem parte) realizada em maio na Costa Rica, sem consulta prévia ao próprio país anfitrião... Na semana prévia ao início das sessões da Plenária, foram realizadas a reunião do Comitê de Conservação e dois dias de discussão sobre o ‘famigerado pacote’ ou ‘o futuro da CIB’. A nova proposta sugere que o Comitê de Conservação, que tem obtido resultados importantes de cooperação em temas de interesse como as colisões de baleias com embarcações e o turismo de observação, seja modificado para agregar o ‘uso sustentável dos recursos”, leiam-se temas de caça. Nas reuniões sobre o futuro da CIB, o Comitê Científico foi duramente criticado pela Austrália, Reino Unido e outros países por aprovar quotas de captura propostas para as quais não existe informação suficiente para garantir que as populações-alvo de baleias não serão ameaçadas. Nesta semana, foram também lançadas pela mídia internacional denúncias comprovadas do jornal britânico Sunday Times da compra de votos de países pobres pelo Japão. O escândalo se estendeu ao vice-presidente Liverpool, que, pela ausência do presidente, atualmente coordena e tenta impulsionar a aprovação do pacote. Liverpool é acusado, com provas segundo outro jornal, de estar participando desta reunião da CIB com todas suas despesas pagas pelo governo japonês. Ausência do presidente na CIB A ‘proposta de consenso’ como foi originalmente chamada por seus autores, o presidente e o vice-presidente da CIB, é bastante tendenciosa para os interesses dos países baleeiros, o que gerou inconformidade nos governos tradicionalmente conservacionistas como o Chile, Brasil e demais membros do Grupo de Buenos Aires, a Austrália, África do Sul e vários europeus. O presidente da CIB, o chileno Cristián Maquieira, não compareceu à reunião alegando questões de saúde. Torcemos por sua pronta recuperação, entretanto sabemos que os problemas do presidente vão muito além das questões de saúde: sua atuação, menos neutra do que se esperava, tem sido questionada inclusive internamente no Chile, onde o congresso pede sua renúncia como representante dos interesses do país na CIB. Tanto que outro representante foi enviado para chefiar a delegação. Maquieira defende “um acordo a qualquer custo” para evitar o que argumenta ser o colapso desta convenção. Isto não interessa aos conservacionistas, que identificam vários avanços para a conservação das baleias nos últimos anos. A presidência desta 62ª reunião foi assumida pelo vice-chair Anthony Liverpool, de Antigua & Barbudas. Grupo de Buenos Aires O GBA foi criado em 2005 para defender os interesses da América Latina na CIB e tem incorporado um número crescente de governos da região. Os interesses do grupo são marcadamente conservacionistas, já que não existe no hemisfério sul a intenção por parte de nenhum país de capturar baleias. Ao contrário, o turismo de observação de baleias tem se tornado uma atividade cada dia mais rentável economicamente para as comunidades adjacentes à presença desses animais. Não obstante, as ONGs latinas proporcionam subsídios técnico-científicos, logísticos e políticos a seus respectivos governos, trazendo também uma visão crítica e um profundo conhecimento dos temas tratados. A sociedade civil pode e quer participar desse processo decisório tão crucial para a sobrevivência de várias populações de baleias. O GBA tem manifestado publicamente que muitos pontos precisam ser modificados para que a ‘proposta de consenso’ tenha a aprovação do bloco latino. As questões levantadas pelas ONGs foram levadas em consideração na análise do documento, e são as seguintes: · Integridade dos Santuários – proibição completa de qualquer caça de baleias no Santuário Austral; · Fim da caça “científica” – a aceitação da proposta excluirá a possibilidade de proposição de quaisquer outras cotas de captura para fins científicos; · Criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul, onde não será permitida nenhuma modalidade de caça de baleias; · Não à liberação do comércio internacional de carne de baleia e derivados – manutenção da proibição do comércio de carne de baleia no mercado internacional, já vigente; · Avançar para o phase out – redução gradual do número de animais capturados, chegando a zero no final de 10 anos ou menos; redução significativa e imediata dos números de capturas atualmente propostos; · Promoção do uso não-letal – promoção do turismo de observação de baleias dentro e fora da CIB; · Criação de mecanismos eficientes de regulamentação e de controle da caça – pagos pelos baleeiros, essa conta não deve ser dividida com quem se posiciona contra a caça. Esclarecimento de pontos-chave da proposta baseado em informações que têm sido colocadas pelo presidente da CIB e divulgados por alguns meios de comunicação (desmentidos): 1. Agadir não é o fim da linha – tem sido divulgado que o acordo deve ser tentado a qualquer custo, como a única solução para evitar o colapso da CIB. Isto não é real. Outras propostas de “modernização” da CIB já foram discutidas e rechaçadas por falta de consenso no passado e a Comissão seguiu em funcionamento. Interessa muito mais aos países baleeiros que seja fechado um acordo – ainda mais nos moldes propostos, que dão várias garantias aos caçadores e, entretanto, oferecem para os conservacionistas um único trunfo, a criação do Santuário do Atlântico Sul, cuja efetividade nos moldes propostos (permissão da caça em suas águas) constitui uma contradição. Destaca-se que há 3 anos os baleeiros não têm submetido propostas a votação porque têm sido sumariamente derrotados. Os conservacionistas, ao contrário, têm conquistado espaço cada vez maior na CIB, através da ampliação do escopo de discussões, abrangendo temas como problemas ambientais, turismo de observação de cetáceos, pequenos cetáceos e a criação do Comitê de Conservação. A criação do grupo de Buenos Aires, em 2005, constitui também um destes avanços, pois tem incorporado um número crescente de países latino americanos interessados na promoção do uso não-letal das baleias. O Japão faz um contraponto “comprando” votos de países pobres através de financiamentos ao setor pesqueiro ou mesmo de suborno de dirigentes, já denunciado em reuniões anteriores. Estes países vendidos votam em bloco com o Japão, inviabilizando o avanço das discussões cuja aprovação não interessa aos baleeiros. 2. Manutenção da moratória sobre a caça comercial de baleias – a proposta se aprovada, derrubará, sim, a moratória, permitindo o retorno da caça comercial, inclusive no Santuário Austral e sobre espécies ameaçadas como as baleias-fin e os cachalotes. Adicionalmente, não traz garantias de que a “caça científica” será suspensa, pois a convenção não possui este arcabouço legal. Dependeria de um “acordo de cavalheiros” que, sabemos, representa um grande risco pelo histórico de omissões e inverdades que vêm sendo praticadas pelos caçadores... Um exemplo disso são os resultados de pesquisas genéticas com amostras de carne de baleia obtidas nos açougues japoneses, revelando espécies e estoques de baleias diferentes dos apresentados nos relatórios do Japão à CIB. Isto tem acontecido sucessivamente nos últimos anos e, apesar de desmascarado reiteradamente tanto no Comitê Científico quanto na Plenária, não tem resultado em mudança de atitude por parte do governo do país. 3. Controle da CIB sobre as operações das frotas baleeiras – o novo pacote propõe que sejam estabelecidos mecanismos de controle e fiscalização sobre as operações de caça, custeados por todos os países-membros. Isto cria um primeiro problema: o pacote que vem sendo proposto determina que todos os países-membros, mesmo os conservacionistas, dividirão os custos de um sistema de controle e monitoramento da caça. Isto poderá provocar a evasão dos que, como o Brasil, não têm interesse em contribuir economicamente para a matança de baleias e fará com que a CIB regrida ao “clube baleeiro” que era há 60 anos atrás. Em relação ao controle das operações, os países caçadores continuam soberanos em relação a suas atividades e à presença de observadores internacionais a bordo das embarcações. Mecanismos de monitoramento por satélite serão dependentes da decisão do mestre da embarcação sobre seu uso. O sistema de monitoramento através de análises genéticas não terá uma base centralizada e independente de dados. Enfim, não existe até o momento uma proposta concreta de qual e como este mecanismo poderia funcionar. 4. Limite das operações de caça aos países que já realizam esta atividade – novamente a CIB não possui um arcabouço legal que lhe permita restringir os direitos dos países que decidam iniciar a atividade. Já se sabe que a Coreia do Sul pretende apresentar uma proposta de captura de baleias e aguarda os desdobramentos da discussão sobre o futuro da CIB nesta próxima reunião. 5. Limites de captura – os números da “famigerada” tabela 4 do documento proposto, foram estabelecidos arbitrariamente pelo presidente da CIB, refletindo o que ele acredita ser aceitável pelos baleeiros. Apesar de 20 anos de estudos, não existe por exemplo consenso entre os cientistas sobre a estimativa populacional das baleias-minke-antárticas e a proposta estabelece uma quota de captura de 400 animais/ano, sem conhecimento científico sobre o quanto isto poderá afetar essa população de baleias. O mesmo vale para a proposta de captura de baleias-sei no hemisfério norte, espécie em perigo e sem estimativas populacionais conhecidas. 6. Criação do Santuário do Atlântico Sul – esta proposta, que tem sido apresentada há anos por Brasil e Argentina, com vários apoiadores (co-sponsors) como a África do Sul, tem como limites a linha do Equador, ao norte, e o Santuário Austral. O SAS garantiria a proteção integral de várias espécies de baleias, desde suas áreas de reprodução até os locais de alimentação e ao longo das migrações entre estas áreas. Esta constitui a única “moeda de troca” verdadeira do pacote a favor da conservação das baleias e historicamente não foi ainda aprovada por não ter alcançado os ¾ de votos necessários. Entretanto, nos moldes atuais, sua criação não traz reais garantias de proteção às baleias, pois a caça é permitida em um outro santuário, o Austral ou Antártico. No escopo da proposta atual, a caça “científica” nesse santuário será transformada em comercial e legalizada. Nesses moldes, para que queremos um outro santuário, igualmente disfuncional em seus objetivos primordiais? Histórico da moratória: A Comissão Baleeira Internacional – International Whaling Commission foi criada em 1946 pelos países baleeiros – na época muitos países europeus, EUA e o próprio Brasil – para regulamentar a caça comercial de baleias nos oceanos do planeta. Desde a invenção dos navios-fábrica pelos noruegueses, em 1925, os baleeiros podiam processar as baleias muito distante de seus portos de origem, o que otimizou a produção e por outro lado contribuiu significativamente para o declínio da maioria das populações de baleias. No Brasil não foi diferente: a caça teve início na Bahia, com os biscainhos (espanhóis da região da baía de Biscaia) no século XVII e rapidamente se difundiu ao longo da costa. Foi somente em 1986, diante da maior campanha conservacionista de que se tem notícia, que a CIB estabeleceu a moratória internacional que proíbe a caça comercial de baleias. Na época, a Noruega fez uma objeção formal à moratória e manteve seu direito de captura. O Japão aderiu à moratória, mas utilizou outra estratégia: passou a considerar as capturas de baleias, inclusive no Santuário de Baleias do Oceano Austral, como uma atividade de pesquisa científica. Para isso utilizou uma brecha na legislação da CIB que permite o uso letal dos animais com fins científicos. Com o passar do tempo, um número cada vez mais expressivo de países conservacionistas passou a ser signatário dessa convenção. No momento, devido à polarização da CIB em dois blocos distintos – um baleeiro e um conservacionista, com proporção semelhante de países-membros – e pelo fato das votações mais importantes necessitarem de ¾ dos votos para aprovação, muitos avaliam que a CIB vive um impasse e que precisa de uma “modernização” e de um acordo consensuado para que as deliberações aconteçam. Algumas propostas já foram feitas nesse sentido, mas nenhuma chegou a ser seriamente considerada no âmbito desta discussão. Fonte: Revista Época.

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