segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

NORTE FLUMINENSE JÁ PERDEU 150 LAGOAS, SEGUNDO PESQUISA DE SOFFIATI

Foto do arquivo de André Pinto : Lagoa do Salgado - patrimônio geopaleontológico da humanidade corre o risco de ser extinta. Sua lama orgânica tem propriedades terapêuticas comparadas às do mar morto.
----------------------------------------------------------------------------- DEU NA FOLHA DA MANHÃ...
ENTREVISTA > ARISTIDES SOFFIATI "Enchentes não são surpresa"
Campos já perdeu mais de 100 lagoas, que facilitariam o escoamento da água que inundou a Baixada, com as últimas chuvas que caíram na região. Com o estado de emergência em que se encontra o município, as autoridades judiciais determinaram a explosão de um dique na última quinta-feira, em Ponta Grossa dos Fidalgos, para que o nível das águas baixasse em Ururaí. De acordo com o ambientalista Aristides Arthur Soffiati, do Centro Norte Fluminense para Conservação da Natureza (CNFCN), os diques criados a partir da construção de estradas de acesso impedem o escoamento de água em épocas de chuvas fortes. Ele volta a alertar o que já vem falando há anos: as obras de desobstrução dos canais também deveriam incluir o combate do esgoto lançados nos canais, que causam o assoreamento da rede com acúmulo de vegetação aquática, resultando em transbordamentos. "Enchentes não são surpresa", pontuou o ambientalista.
Folha da Manhã - As inundações de áreas agricultáveis da Baixada Campista ocorrem toda a vez que são registradas chuvas fortes por um período prolongado na região, como aconteceu há duas semanas. O sistema de drenagem pode ser considerado fora da atual realidade?
Aristides Soffiati - O sistema de drenagem para chuvas foi todo alterado para atender às necessidades da agropecuária e da agroindústria. Rios foram retilinizados e lagoas foram drenadas totalmente. Núcleos urbanos ocuparam o leito maior dos rios e lagoas. Estradas municipais, estaduais e federais se transformaram em verdadeiros diques ao escoamento das águas. O assoreamento facilita os transbordamentos. O esgoto nos canais acelera a eutrofização e as várzeas foram ocupadas.
Folha - O setor agropecuário é um dos que mais pressionam as autoridades quando ocorrem os alagamentos. Ele alega grandes perdas de produção e culpa os governos por não conseguir uma alternativa para resolver o problema. Quem tem razão nesta história?
Aristides - Os proprietários rurais só se preocupam com os alagamentos quando eles atingem suas plantações e seu gado. Nunca ouvi de um ruralista comentário por cheias no meio urbano. Posso adiantar que eles não têm razão.
Folha - A Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (Serla) tem anunciado dragagem dos canais, para facilitar o escoamento da água em épocas de cheias. Porque não se tem resultado com a desobstrução da rede?
Aristides - Faltam recursos financeiros; a burocracia na liberação de recursos emperra tudo e ainda há desvio deles. Além do mais, dragar ou limpar canais sem conter o despejo de esgoto é jogar dinheiro público fora. O esgoto estimula o crescimento rápido de plantas aquáticas, que bloqueiam o escoamento das águas. Lembre-se ainda que a drenagem tem visado apenas o ruralista, que considera sua atividade de suma importância para a economia da região. Hoje, a cana está sendo subsidiada pelo dinheiro público. Ela dá prejuízos e não lucros.
Folha - Os investimentos dos governos, com a liberação de milhões de reais não seriam suficientes para a execução de obras para minimizar o problema de alagamentos?
Aristides - Não porque é preciso levar em conta muitos outros fatores. Como desmatamento, assoreamento de rios, como o Imbé, invasão de várzeas, estrangulamento de rios, estradas cortando a rede de drenagem, os diques na Lagoa Feia e no baixo curso do rio Ururaí.
Folha - As lagoas estão perdendo seus espelhos d`água para dar lugar ao cultivo de olerícolas, como a de Lagoa de Cima e do Salgado, entre outras. As ações fiscalizadoras da Serla e da Feema têm inibido a ocupação desenfreada no entorno dos lagos?
Aristides - Infelizmente não. Agora, técnicos que não se importavam com a retilinização de rios e com diques, estão percebendo que já passou da hora de restaurarmos os leitos sinuosos dos rios e ampliar a área das lagoas.
Folha - Historicamente, a região é cortada por rios, canais e lagoas. Quantas lagoas já desapareceram e quantas ainda existem. Qual a situação delas?
Aristides - Por uma contagem recente, desapareceram cerca de 150 lagoas por drenagem e invasão de seus leitos. Recentemente, integrei um grupo de trabalho com pesquisadores da Uenf para fazer o maior levantamento das lagoas ainda existentes. A qualidade ambiental de todas vai de péssima a sofrível.
Folha - O Ministério Público tem agido com rigor contra as ações depredadoras do patrimônio natural?
Aristides - Creio que o Ministério Público também começa a perceber que nossa luta pela proteção das lagoas, pela restauração dos rios com seus meandros, contra as estradas mal construídas, com o desmatamento não é uma questão de capricho ou de implicância de ecologistas, mas uma preocupação das mais importantes para a qualidade de vida.
Folha - As penalidades aplicadas contra os infratores têm funcionado na prática?
Aristides - Só posso dizer que não é só por aí que resolveremos nossos problemas. Acima das multas e das punições criminais, é preciso priorizar a precaução e a prevenção.
João Noronha - joaonoronha@fmanha.com.br 08/12/2008

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