domingo, 14 de dezembro de 2008

A IGNORÂNCIA E AS CHEIAS

Foto: Delta do rio Paraíba do Sul tirada em 05/12/2007 Crédito da foto : Elpídio Justino
Nos últimos dez mil anos, o planeta Terra vem passando por um processo de aquecimento global. Não o provocado pela liberação de gases do efeito estufa, originados de atividades humanas coletivas a partir do final do século 18. O aquecimento de que falamos resulta de processos naturais que derreteram a última grande glaciação do planeta, restando dela apenas as geleiras polares e as dos altos picos montanhosos. Este aquecimento foi se elevando até alcançar um ápice que se denomina "optimum climaticum", em momentos diferentes nesses 10 mil anos que foram batizados de Holoceno. Na área hoje correspondente ao Norte Fluminense, o nível do mar foi subindo e alcançou o máximo em 5.100 anos antes do presente. A área continental era constituída, então, por uma extensa superfície de tabuleiro, formação datada de 60 milhões de anos. O mar foi erodindo este grande tabuleiro e avançou pela parte mais baixa dele até alcançar um ponto de resistência a noroeste. O tabuleiro foi, então, secionado em duas partes, assinaladas pelos números 1 e 2 no mapa que ilustra este artigo. Ao longo da antiga costa, restaram também fragmentos mais resistentes do tabuleiro que se transformaram em ilhas a circundar uma grande semilaguna, onde antes era tudo continente. Foi por este estreito que passaram os rios Paraíba do Sul e Muriaé, seu afluente. A posição noroeste-sudeste do estreito direcionou os ambientes aquáticos continentais para o sul, mas a corrente marinha predominante, de oeste para leste-norte, influenciou discretamente os cursos d`água para leste. Vejam, no mapa, a direção norte-sul dos rios Muriaé (5) e Ururaí (10) e dos braços naturais do rio Paraíba do Sul que, no século 20, foram transformados nos canais de Itereré (6) e de Cacumanga (7). Por sofrerem mais a orientação do estreito, eles se dirigem apenas para o sul. Já não acontece o mesmo com o rio Paraíba do Sul (4) e com o córrego do Cula (8), que se dirigem para sudeste. As intervenções humanas, na planície fluviomarinha, deveriam levar em conta a natureza. Há quem discordará, dizendo que os estudos sobre a formação geológica do delta do Paraíba do Sul efetuados por Louis Martin, Kenitiro Suguiu, José M.L. Dominguez e Jean-Marie Flexor (Geologia do Quaternário Costeiro do Litoral Norte do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, 1997), autores do mapa anexo, só nos revelaram esta realidade bem recentemente. Sim, é recente este estudo, mas é muito antiga a observação empírica do povo e técnica dos pesquisadores sobre a planície. Manoel Martins do Couto Reis informa que os jesuítas queriam alargar a ligação do córrego do Cula com o Paraíba do Sul a fim de escoar as águas da baixada para o grande rio. No século 18, a população se rebelou contra essa intenção por entender que as águas do rio é que correriam para a baixada, alagando-a mais ainda. À luz deste conhecimento tão antigo, contrariam a natureza o canal Campos-Macaé (leste-oeste), o canal de Quitingute (norte-oeste), as rodovias BR-101, a Estrada dos Ceramistas (leste-oeste), tantas outras estradas transversais a este sistema e o hipotético córrego do Cula do empresário Guilherme Aguiar (leste-oeste). E esta ignorância agrava os fenômenos naturais, como as chuvas do final de novembro.
Complexus - Aristides Soffiati - soffiati@fmanha.com.br 14/12/2008

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