domingo, 21 de dezembro de 2008

LAGOA FEIA DEVERIA CHEGAR A 290 KM2 NAS CHEIAS - SEGUNDO SOFFIATI

Foto: Carta Náutica da Lagoa Feia Fonte da foto: Blog do Roberto Moraes - www.robertomoraes.blogspot.com
MATÉRIA PUBLICADA NA FOLHA DA MANHÃ.
A Lagoa Feia ontem e hoje
A iniciativa dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, com suporte legal do Judiciário Federal, de combater os invasores da Lagoa Feia, retirando os diques construídos em seu leito, reacende uma polêmica muito acalorada entre ruralistas, pescadores e ecologistas. Em todos os lados, os protagonistas atuais não são os mesmos. A maior parte deles nem havia nascido para a consciência do problema na década de 1970. Acho que o único remanescente ativo daquela época heróica sou eu. O argumento dos ruralistas, contudo, era o mesmo: a superfície da Lagoa Feia sempre foi a mesma. Os diques dos ruralistas visavam apenas proteger suas terras de uma cheia extraordinária da lagoa. Nunca houve invasão do seu leito. O excesso d`água deve sair pelo Canal da Flecha sem tocar nos diques. A argumentação que usei naquela época foi toda ela fundamentada em fontes históricas. Já que, do lado dos invasores, só mudaram as pessoas e não as idéias, volto aos mesmos argumentos daquele tempo sombrio. Embora atualizados, os dados continuam confirmando a invasão. Já no século XVIII, a cartografia mostrava as enormes dimensões da Lagoa Feia. Os mapas de Manoel Vieira Leão e Manoel Martins do Couto Reis revelam uma lagoa associada a outras, notadamente à Lagoa da Ribeira. O mesmo se confirma no século XIX, com o trabalho coordenado por Conrado Jacob de Niemeyer, sob título de "Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro", de 1839, e com a "Nova Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro", de Conrado Jacob de Niemeyer e Pedro D`Alcantara Bellegarde, de 1865, nos quais a Lagoa Feia se destaca soberba. Apesar de documentos valiosos, há neles imprecisões inerentes à época que seriam questionadas pelos ruralistas. O primeiro mapa em feição moderna foi desenhado pelo engenheiro Marcelino Ramos da Silva, de 1898, atribuindo à Lagoa Feia a superfície de 370 km2. Sobre ele, o engenheiro Hildebrando de Araujo Góes, um dos fundadores da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, futuro Departamento Nacional de Obras e Saneamento, escreve: "A área da Lagoa Feia é de cerca de 370 km2 (Relatório Marcelino Ramos), seu perímetro tem 123 km e mede, respectivamente, 32 km, segundo seu eixo maior, e 24, segundo o menor." À época em que o engenheiro redigia estas palavras, a grande lagoa já devia estar menor, pois, em 1929, Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, em seu trabalho "Melhoramentos do Rio Paraíba e da Lagoa Feia", anotava: "A lagoa Feia tem cerca de 25 km de comprimento por 20 km de largura e 335 km quadrados de superfície." Houve, portanto, em 31 anos, uma redução de 65 km2 de área. Saltando para 1969, o relatório "Saneamento das Várzeas nas Margens do Rio Paraíba do Sul à Jusante de São Fidélis, encomendado pelo DNOS à Engenharia Gallioli Ltda, é fulminante: "Quando o nível da água na lagoa (Feia) atinge 3,00 metros (IPC - Instituto de Portos e Canais) ela ocupa uma superfície de 290 km2." Atualmente, a Lagoa Feia conta com uma superfície máxima de 170 km2 e, com as chuvas atuais, ultrapassou nível superior a 4 metros. É de se perguntar, então, por que a lagoa não atinge mais 290 km2 de área? Como sustentar a posição dos ruralistas de que a Lagoa Feia teve sempre esta superfície e que os diques têm apenas a função de barrar águas de cheias extraordinárias? A prova mais cabal de que este argumento é mentiroso são os diques à retaguarda dos diques fronteiriços ao espelho d`água da lagoa. O grileiro faz um dique durante a estiagem. Quando a lagoa enche, este dique segura as águas. Na estiagem seguinte, o grileiro faz um dique mais adiante e deixa como rastro o dique anterior. E assim sucessivamente. Qualquer leigo pode perceber isto. De forma acintosa, o DNOS estimulou a construção desses diques ilegais, como se pode verificar no relatório Gallioli, página 124: "Se Algum proprietário de terras quiser utilizar também áreas sujeitas temporariamente à submersão, poderá fazê-lo, desde que construa dentro da lagoa, em frente à sua propriedade (e parcialmente pelos dois lados), um dique de pequena altura em cota conveniente. Noutros termos, originar-se-á, assim, um "polder", que obviamente deverá ser mantido seco a expensas do proprietário interessado." Quando o DNOS foi extinto em 1989 por Collor de Mello, houve um período de abandono em que os diques foram ampliados. Ao assumir o sistema que a Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense e o DNOS construíram entre 1935 e 1989, a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas - SERLA tem adotado a postura de respeitar estes diques como se eles fossem sagrados e intocáveis. Só agora, com a iniciativa dos Ministérios Públicos Federal e Estadual, este tabu está sendo demolido, tanto quanto os diques. Derrubar diques não é apenas uma iniciativa física. Ela também se reveste de um caráter simbólico. Os ruralistas começam a perder sua posição de deuses do Olimpo.
Fonte: http://www.fmanha.com.br/ - Complexus Aristides Soffiati - soffiati@fmanha.com.br 21/12/2008

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