segunda-feira, 3 de agosto de 2009

A BIODIVERSIDADE POR SOFFIATI - MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL FOLHA DA MANHÃ

Imagem da internet: Um organismo unicelular. (busca do google).

Recebi um e-mail do Professor Soffiati com a matéria em questão e a coloco com muito prazer para os nossos internautas de plantão:

Folha da Manhã, Campos dos Goytacazes, 02 de agosto de 2009

Complexus

As dimensões da biodiversidade

Arthur soffiati

Fala-se muito em biodiversidade sem se saber claramente do que se trata. Partindo de elementos físicos e de combinações químicas, originou-se a vida na forma de organismos de uma só célula: os unicelulares. Estes deram origem, por um processo de transformação, aos organismos constituídos de várias células: os pluricelulares. Há cerca de 600 milhões de anos passados, houve uma explosão de pluricelulares sem esqueleto interno. Eles existem em profusão atualmente e os agrupamos com o nome genérico de invertebrados. Foi deles que se desenvolveram os vertebrados, dentro dos quais nos inserimos arrogantemente dando nome a tudo. Esta diversidade de espécies que buscaram seu próprio caminho, sobrevivendo com suas formas, efetuando metamorfoses e até se extinguindo é que chamamos de biodiversidade.

Existem vários enfoques para a biodiversidade. No meu entendimento, o mais superficial é o econômico, que sempre existiu: a biodiversidade como fonte de alimento, de medicamento, de moradia, de vestuário etc. Esta dimensão ganhou impulso com a domesticação de plantas e animais por sociedades humanas, a partir de 12 mil anos passados. O passo seguinte foi a chamada seleção artificial, criando linhagens de plantas e animais para atender a objetivos econômicos. Por fim, toda a biodiversidade, atualmente, é vista como fonte de riqueza. Numa economia de mercado, a tendência é transformar tudo em mercadoria. Infelizmente, não podemos deixar de apelar para esta concepção se quisermos proteger a diversidade biológica.

A segunda dimensão, por ordem de importância, é a afetiva. Muitas pessoas gostam de plantas e de animais no seu convívio. É louvável cercar-se de plantas e de animais e ter carinho por eles. Eu mesmo cuidei de animais e cultivo um bosque num pequeno terreno. Muita gente também se comove com animais fofinhos, como ursinhos órfãos, coalas, pandas, aves, macaquinhos e outros bichinhos esteticamente bonitos aos nossos olhos. Mas, não há de ser esta atitude que ajudará na proteção da biodiversidade, pois a maioria dos seres está excluída por apresentar aspecto feio, repugnante e assustador. Se estamos superando as noções de seres úteis e nocivos, não superamos as noções de belo e de feio. E, na natureza, o aspecto estético nada significa.

Outra dimensão, esta muito nobre, é a ética, seja ela parte de uma religião ou de uma filosofia laica. Nas religiões monoteístas derivadas do patriarca Abraão, a biodiversidade recebe o nome de criação e é considerada inferior ao ser humano, criatura dileta de Deus. Ao mesmo tempo em que ela é louvada, entendem também estas religiões que a criação existe para nos servir. Nem mesmo o hinduísmo, o budismo e o jainismo olham para a biodiversidade em sua realidade intrínseca. Seu respeito aos animais, mesmo os minúsculos e “feios”, decorre da crença de que eles tem almas que podem passar para outros corpos, inclusive os humanos. A concepção de que a natureza tem um valor intrínseco, independente das nossas necessidades e interesses, está ligada a filosofias laicas oriundas do novo paradigma naturalista organicista. O mais conhecido pensador a defender os direitos intrínsecos da biodiversidade talvez seja Peter Singer. Contudo, esta elevada concepção não tem se mostrado convincente para a esmagadora maioria das pessoas, impregnada que foi pelo utilitarismo ocidental no processo chamado de globalização.

Pela dimensão genética, a biodiversidade é vista em seus componentes microscópicos. Trata-se de examinar a constituição genética das espécies e buscar relações com outras espécies. A genômica representou uma verdadeira revolução neste campo atualmente. Genoma é o conjunto de informações hereditárias codificadas no DNA de um organismo ou no RNA de um vírus, inclusive as seqüências não-codificadas, impropriamente chamadas de DNA-lixo só porque não se conhece exatamente sua função celular. O trabalho da genética, atualmente, consiste em sequenciar genomas, ou seja, decifrá-los. Assim, a genômica tem contribuído muito na compreensão das relações genéticas entre espécies. Cabe, todavia, apontar dois obstáculos no que concerne à proteção. Primeiramente, os geneticistas tendem ao reducionismo, isto é, explicar todo o comportamento de uma espécie animal, por exemplo, pela sua estrutura genética. Segundo: a genômica é de difícil compreensão para o leigo.

Uma dimensão da biodiversidade mais acessível é dada pela etologia, ciência que estuda o comportamento animal. Na outra ponta da genética, os etólogos mostram que uma constituição geneticamente dura não impede comportamentos aleatórios e criativos.

Por fim, a dimensão mais abrangente da biodiversidade é a ecológica. Esta procura inserir cada espécie e indivíduo num contexto mais amplo, que pode ser o ecossistema, o bioma e a ecosfera, mostrando os serviços que eles prestam ao funcionamento de um sistema hipercomplexo que chamamos de Gaia. Voltamos ao assunto.

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